Análise da Atualidade: “Podem os esforços diplomáticos da Türkiye parar Israel?”

Análise elaborada pelo Diretor de Investigações de Segurança, Prof. Dr. Murat Yesiltas da SETA.

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Análise da Atualidade: “Podem os esforços diplomáticos da Türkiye parar Israel?”

Análise da Atualidade: “Podem os esforços diplomáticos da Türkiye parar Israel?”

 À medida que a ofensiva israelita contra Gaza completa o seu 13º dia, a crise na dimensão humanitária da guerra está a aprofundar-se.  O apoio aberto dos EUA e de uma parte significativa de outros países ocidentais a Israel na sua campanha de agressão, criou um estado de exceção ilimitado às ações de Israel. Ao adotarem o castigo coletivo como estratégia de guerra, Israel e os Estados Unidos, com o seu apoio ilimitado, estão prestes a mergulhar a estabilidade regional e a segurança global numa nova crise histórica. O clima político no Médio Oriente está a mudar gradualmente. Os países da região ainda não deram um passo para travar a guerra. Muitos países não foram capazes de tomar uma posição para passar do nível retórico para o nível prático. A Türkiye, por outro lado, está a conduzir uma diplomacia regional equilibrada face à agressão israelita em Gaza. Neste sentido, Ancara é um dos países mais ativos para travar a guerra e evitar o agravamento da crise. Partindo de uma base realista, a Türkiye está a seguir uma política que dá prioridade à utilização ativa do diálogo regional e a uma abordagem humanitária.

 

 Na sua primeira reação, em 7 de outubro, o Presidente Erdogan apelou às partes para que dessem provas de contenção e evitassem comportamentos impulsivos. Em seguida, criticou os ataques de Israel a Gaza e defendeu que uma solução só seria possível através do estabelecimento de um Estado palestiniano com integridade territorial, com a sua capital em Jerusalém Oriental e a sua integridade territorial restaurada com as fronteiras de 1967. O Presidente Erdogan dedicou uma parte significativa do seu dia de trabalho a reuniões com os líderes de outros países. Neste contexto, conduziu até agora uma intensa diplomacia telefónica com 18 chefes de Estado. Em cada uma das suas chamadas, sublinhou que a sua prioridade era declarar um cessar-fogo humanitário e estabelecer um corredor humanitário, e que Israel deveria atuar em conformidade com o direito internacional.

 O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, está também a conduzir uma intensa agenda diplomática. O objetivo de Fidan é pôr termo à campanha de guerra de Israel o mais rapidamente possível, utilizando eficazmente a diplomacia regional. Neste contexto, a Türkiye está a fazer um esforço intensivo para limitar a ofensiva de Israel e encontrar uma solução realista, estabelecendo um verdadeiro cessar-fogo através de uma diplomacia intensiva que envolva o Egipto, o Líbano, a Arábia Saudita, a Jordânia, os Emirados Árabes Unidos, o Catar, o Paquistão e o Irão. O aspeto mais marcante das declarações de Fidan durante as conversações, é o facto de ter utilizado uma linguagem realista e clara para a solução da questão palestiniana. Sublinhando que Israel não poderá estar totalmente seguro sem uma solução para a questão palestiniana, Fidan chamou a atenção para a posição de ocupante de Israel. Por esta razão, afirma que a criação de um Estado palestiniano que recue para as fronteiras de 1967, cuja integridade territorial esteja assegurada e cuja capital seja Jerusalém Oriental, é a questão mais urgente da região. Esta é já a posição de estado da Türkiye no conflito israelo-palestiniano e uma abordagem que o direito internacional reconhece como solução.

 As atividades de mediação da Türkiye constituem uma parte importante da diplomacia. O primeiro objetivo é preparar uma base sólida para as negociações, libertando os cidadãos israelitas e de outros Estados mantidos como reféns pelo Hamas. Os canais de negociação da Türkiye com o Hamas e as suas experiências passadas permitem-lhe desempenhar um papel de facilitador neste domínio. Outra questão, também mencionada por Fidan, é a possibilidade de a Türkiye desempenhar um papel de garante. Um mecanismo de múltiplos garantes em que a Türkiye participe, garantirá a manutenção do cessar-fogo depois de este ser declarado.

Outro ponto é que esta crise ameaça pôr fim à normalização regional e pode levar à emergência de uma nova crise de segurança regional. O apoio político e militar aberto dos EUA a Israel e a mobilização do seu poder militar na região, aparentemente para dissuadir militarmente os países da região, aumenta o risco de a guerra não se limitar a Gaza e envolver também outros atores. Essa possibilidade significa uma nova crise de segurança regional para a Türkiye. Por conseguinte, para a Türkiye, conseguir um cessar-fogo e travar os ataques de Israel é visto como um passo para evitar a desestabilização da segurança regional mais alargada.

O último ponto é a possibilidade de os ataques de Israel a Gaza poderem pôr fim ao processo de normalização entre a Türkiye e Israel, que se intensificou antes da guerra. Embora o Presidente Erdogan utilize uma linguagem equilibrada nesta matéria, e a prioridade da Türkiye seja acabar com a crise, à medida que a crise se aprofunda e a violência de Israel aumenta, a normalização pode ser novamente adiada. Por conseguinte, a normalização entre a Türkiye e Israel está a ser submetida a um teste real. É precisamente nesta altura que os alicerces da normalização poderão ser novamente questionados. O que é importante é saber que tipo de clima regional irá emergir depois do 7 de outubro. Não parece possível falar sobre o futuro das relações Türkiye-Israel, excluindo estes acontecimentos.

 

Em primeiro lugar, a normalização Türkiye-Israel terá de prosseguir num novo terreno após o 7 de outubro. Isto porque as expetativas de normalização eram bastante elevadas mesmo antes do 7 de outubro. Nem a questão energética nem outras questões geopolíticas eram fatores impulsionadores suficientes para conseguir a normalização por si só. Em segundo lugar, as relações Türkiye-Israel nunca foram uma relação de aliança semelhante às relações EUA-Israel. Nem a promessa nem a idade de ouro das relações da década de 1990 eram suscetíveis de voltar. Em terceiro lugar, o pragmatismo da política externa de ambos os países tem os seus limites.  Isto porque o pragmatismo moral da Türkiye e o pragmatismo ilimitado de Israel funcionaram como uma dinâmica importante que permitiu aos dois países manterem as relações num nível máximo, impossibilitando o aprofundamento das relações no que respeita à questão palestiniana. Por conseguinte, é muito difícil para a política externa turca separar as duas questões. Por último, é bastante claro que a opinião pública turca, se confrontada com a escolha entre a normalização israelita e a questão palestiniana, preferirá a questão palestiniana. Esta é uma das dinâmicas mais importantes que o Presidente Erdogan tem de ter em conta.

Tendo em conta todas estas dinâmicas, a Türkiye é um dos países que desempenha um papel mais ativo na região para evitar o agravamento da crise e assegurar um cessar-fogo. No entanto, o agravamento da crise é suscetível de pôr termo, por agora, à normalização entre a Türkiye e Israel. Mais importante ainda, os ataques israelitas de 7 de outubro e as suas consequências podem afetar o processo mais vasto de normalização da política externa da Türkiye. O futuro deste processo depende de até que ponto o Ocidente apoiará Israel e até que ponto Israel ignorará as regras criadas pela humanidade para a guerra e conflitos.

 



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