Análise da Atualidade: A caminho de um novo período nas relações entre a Türkiye e o Iraque

Análise elaborada pelo Diretor de Investigações de Segurança, Prof. Dr. Murat Yesiltas da SETA

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Análise da Atualidade: A caminho de um novo período nas relações entre a Türkiye e o Iraque

Análise da Atualidade: A caminho de um novo período nas relações entre a Türkiye e o Iraque

O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, efetuou uma importante visita ao Iraque entre 22 e 24 de agosto. O Iraque é um dos países mais estratégicos da região para a Türkiye, no que respeita à luta contra o terrorismo, geopolítica energética, relações económicas, estabilidade interna e concorrência. Por conseguinte, a visita de Fidan é muito importante antes da esperada visita do Presidente Recep Tayyip Erdogan ao Iraque.

 

No entanto, as questões difíceis entre os dois países estão longe de estar resolvidas e, mesmo que o Presidente Erdogan visite a região, levará tempo para que estes problemas se resolvam. Embora existam muitas razões para esta situação, a dinâmica dentro do Iraque é bastante decisiva. A estrutura frágil do governo de Sudani, a fraqueza da economia, a existência de divergências entre Bagdade e Erbil, a presença da organização terrorista PKK e as suas atividades no Norte do Iraque e a influência destrutiva de atores externos, como o Irão, são algumas das muitas razões que afetam de perto as relações Türkiye-Iraque. É sabido que os problemas ambientais relacionados com as alterações climáticas têm um impacto cada vez mais destrutivo no Iraque. Nesta altura, a questão da água é um dos problemas mais críticos à espera de ser resolvido entre a Türkiye e o Iraque.

Embora as questões de segurança e de energia tenham estado em destaque durante a visita de Fidan, uma das questões mais estratégicas para a Türkiye, que é também uma das prioridades de Fidan, é a preservação do consenso alcançado entre os sunitas. Qualquer conflito político entre os sunitas pode constituir uma ameaça estratégica para as prioridades da Türkiye no Iraque. Isto não significa que a Türkiye aborde o Iraque através de uma perspetiva sectária. Pelo contrário, a reconciliação entre os sunitas é vista como um instrumento estratégico, uma vez que tem a capacidade de influenciar todos os outros processos políticos e militares no Iraque.

 Tendo em conta as próximas eleições locais no Iraque (dezembro de 2023), as prioridades da Türkiye tornam-se ainda mais importantes. Estas prioridades podem ser mais facilmente compreendidas se analisarmos o fluxo de reuniões de Fidan no Iraque. Antes da sua reunião com os turcomanos iraquianos, Fidan encontrou-se com os seus homólogos iraquianos Fuad Hussein, al-Sudani e com o Presidente Abdul Latif Rashid, bem como com o líder da Aliança da Fatah, Hadi al-Amiri, e com o líder da Aliança para a Soberania do Iraque, Khames Al-Khanjar.

As prioridades estratégicas da Türkiye não se limitam à manutenção do equilíbrio político etno-sectário no Iraque. As relações no Norte do Iraque, em especial entre o Partido Democrático do Curdistão (KDP) e a União Patriótica do Curdistão (PUK), a contenção e o enfraquecimento das atividades crescentes da organização terrorista PKK no Iraque, a prevenção da cooperação entre o PKK e as fações das milícias xiitas contra a Türkiye e da influência iraniana sobre as milícias xiitas e o reforço da cooperação económica entre o Iraque e a Türkiye são as principais prioridades estratégicas subjacentes à visita de Fidan ao Iraque.

 A evolução mais marcante deste processo é a luta contra a organização terrorista PKK. Durante um longo período, a Türkiye conseguiu neutralizar o PKK no seu território, enfraquecê-lo no Iraque e contê-lo na Síria, graças a alterações na sua estratégia de luta contra o PKK. O aumento da presença militar e do controlo territorial da Türkiye em zonas estratégicas do Norte do Iraque, as operações militares e de informação sustentadas contra o PKK e a estreita cooperação entre Ancara e Erbil enfraqueceram, mas não neutralizaram, o PKK no Iraque.

Em resposta, o PKK reposicionou-se na região de Sinjar sob o pretexto de lutar contra o Daesh, transformou Makhmur num campo de recrutamento e de treino para o PKK, começou a controlar bairros em As-Sulaymaniyah, desenvolveu uma parceria com o PUK e prosseguiu uma política dita de equilíbrio contra a Türkiye, associando-se a milícias xiitas. Mais importante ainda, procurou legitimar o ramo sírio do PKK, o YPG, no norte do Iraque e reforçar o alcance político e militar do PKK, incorporando-o na política iraquiana.

A estratégia atual da Türkiye consiste em contrariar a mudança de estratégia e de tática do PKK, em neutralizar o PKK à escala iraquiana e em assegurar a sua retirada para Qandil. A Türkiye pretende, por conseguinte, que o Governo iraquiano reconheça o PKK como uma organização terrorista e, tal como Fidan expressou durante a sua visita, considera que a presença crescente do PKK constitui um risco para a integridade territorial e da soberania do Iraque.

 Se este objetivo for concretizado, o Iraque tornar-se-á uma potência soberana no seu próprio território e a presença militar da Türkiye no Norte do Iraque será reduzida. Por outro lado, o reconhecimento do PKK como uma organização terrorista libertará a política do norte do Iraque da influência do PKK e reduzirá a escalada do conflito entre os curdos.

Embora esta situação pareça, de momento, difícil de concretizar na equação do norte do Iraque, os instrumentos da Türkiye fazem com que seja uma necessidade estratégica para os atores da região trabalharem com a Türkiye. As reuniões diplomáticas de Fidan em Erbil provam-no. Embora a atual cooperação entre a Türkiye e o KDP tenha tornado o PKK mais agressivo em relação ao KDP, a retoma dos voos de As-Sulaymaniyah para a Türkiye é improvável caso o PUK continue a cooperar com o PKK.

Outra questão económica crítica para os dois países é o dossier da energia. Desde fevereiro de 2023, o fluxo de petróleo do Iraque para a Türkiye cessou e Ancara invocou os terramotos de fevereiro como justificação. Embora esta justificação pareça razoável, não seria errado dizer que o litígio em curso entre o governo de Bagdade e a administração de Erbil e o facto de o Iraque ter processado a Türkiye no Tribunal Internacional de Arbitragem com uma condenação a pagamento de indemnização, coloca um problema à Türkiye. Tendo em conta a ação judicial em curso da administração de Bagdade contra a Türkiye, a importância do petróleo torna-se ainda mais perceptível. Embora o encerramento do oleoduto desde fevereiro tenha custado ao Iraque milhares de milhões de dólares, a falta de resolução para o conflito com a Türkiye pode ter consequências críticas.

 Se a visita de Fidan ao Iraque produzir resultados positivos, estabelecer-se-á uma base sólida para a visita de Erdogan e abrir-se-á potencialmente o caminho para uma cooperação estratégica nas relações Türkiye-Iraque. Com o Iraque a desempenhar um papel estratégico no reforço desta influência, a influência regional da Türkiye poderá ser revitalizada.



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