O que é o laicismo?

Para o Ocidente, o laicismo é um passo positivo e avançado para nos livrarmos das guerras religiosas. A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara.

1210590
O que é o laicismo?

O que é o laicismo?

Imaginem que nas escolas das minorias da Turquia ou do seu país fosse proibido a todas às pessoas usarem roupa judia ou cristã. Impossível, certo? Como poderia acontecer tal coisa no nosso tempo? Certamente questionariam essa situação e obscurantismo.

Mas não se preocupe, isto não se passa na Turquia nem no seu país, mas sim em França. A França está prestes a tomar esta decisão.

Em França, o Senado aprovou a proibição do uso do véu islâmico nas escolas, tanto aos alunos como aos familiares que acompanham as crianças dentro da escola. Para a lei entrar em vigor, só falta ser aprovada pela Assembleia.

O ministro francês da Educação, Blanquer, disse que se fará todos os possíveis para que os familiares não usem símbolos religiosos dentro das escolas. O projeto que proíbe o uso do véu islâmico por parte das mães e familiares dos estudantes, a pretexto do laicismo, defende que os familiares dentro no perímetro da escola não devem usar qualquer símbolo religioso, por terem o estatuto de “funcionários públicos temporários”.

Em França e em muitos países ocidentais, e sobretudo na Áustria, já se tornaram normais os comentários e as práticas arcaicas proibitivas. Esta prática por si só, basta para constatar a crise de autoconfiança e liberades em que vive o Ocidente, como já referi noutros programas. Na edição desta semana, vamos abordar a crise de liberdade e o retrocesso mental com que nos encaramos, e como esta situção nos leva a grande velocidade para o totalitarismo.

Pelo facto da lei francesa não prever o mesmo para os judeus e cristãos, temos que criticar a falta de igualdade. É muito estranho querer impôr a todos uma igualdade que suprime as diferentes formas de vida e que assume um caráter opressivo arcaico e contra a liberdade religiosa, e contra os direitos humanos. Isto não é igualdade, representa pressão e falta de liberdade.

 

O laicismo transformado em meio de pressão esvaziado do seu objetivo

Para o Ocidente, o laicismo é um passo positivo e avançado para nos livrarmos das guerras religiosas. Foi um mecanismo desenvolvido para proteger o direito das diferentes formas de vida, para que se pudessem viver as diferenças. Ao longo da nossa história, as religiões viveram lado a lado com as suas diferenças. No Ocidente, o benefício que se espera do laicismo é que permita uma interpretação pluralista e compreenda o islão.

Aqui fica uma declaração de um professor da história de Israel e um popular autor:

“Na Europa, durante a Idade Média, não havia qualquer tolerância. Em 1 600, toda a gente em Paris era católica. Quando um protestante entrava na cidade, era morto. Em Londres, todos eram protestantes. Os católicos eram mortos. Naquela época, os judeus em Espanha eram desterrados e ninguém gostava dos muçulmanos. No mesmo período em Istambul, os muçulmanos, católicos, arménios, ortodoxos, búlgaros e pessoas de diferentes crenças, viviam juntos e em paz”.

Apesar de no Ocidente o laicismo ser considerado uma forma de manter juntas as diferentes crenças e formas de vida, a sua prática em França mostra que o laicismo se transformou numa forma de pressão, mais do que a pressão feita com a religião. Tal como se viu no exemplo anterior, está-se a tentar isolar todas as áreas da vida.

Quando se tenta impedir a pressão sobre uma religião, o laicismo transforma-se ele próprio numa religião em todos os campos da vida. É como uma nova religião cujo âmbito se define não pelos clérigos, mas sim pelos parlamentos e tribunais.

Quando vemos esta prática tão opressiva e cruel, a implementação do laicismo de forma jacobina sobre formas de vida diferentes, dirige-se contra a religião e a diferença. A pretexto do laicismo, as diferentes formas de vida são totalmente isoladas da vida social, da educação e cultura. O objetivo político deste laicismo político é criar uma sociedade formada apenas por indivíduos laicos. Esta interepretação do laicismo, que diferença tem dos sistemas totalitários que querem criar indivíduos nazis ou comunistas?

 

Quem tem a última palavra sobre as crianças?

Uma das áreas em que esta abordagem do laicismo tem mais influência é a “proteção” das crianças face às diferentes crenças. Tal como no caso das escolas, quer-se proibir às famílias que dêem uma identidade religiosa às crianças. E daqui surge a pergunta: Quem tem a última palavra sobre as crianças em termos da sua educação, cultura e identidade? O Estado? A família?

Se a resposta for o Estado, como poderemos criticar o comunismo, o fascismo e o nazismo? E porque terá o Estado esse direito, se foi a família a dar à luz a criança? Se a família quiser dar uma identidade à sua criança, contrária aos direitos humanos mais básicos, naturalmente o Estado terá que intervir. Mas em condições normais, sem dúvida, é a família quem deve ter a última palavra sobre a identidade a dar à criança.

 

O continente anglo-saxónico, o laicismo do continente europeu

O laicismo, que também se designa por secularismo, tem como objetivo impedir a intervenção da religião nos assuntos do Estado. Apesar disto, mantém-se as relações entre a religião e o Estado. No Reino Unido, a rainha é também a líder oficial da Igreja Anglicana.

Na Europa, depois da queda do “ex-regimen”, ocorreu um isolamento da religião e das tradições não apenas no campo político, mas também na área social. O objetivo do laicismo era a iluminação e fazer desaparecer as crenças. Esta abordagem teve como consequência a emergência dos líderes mais sangrentos como Hitler e Mussolini, e as revoluções mais sangrentas como a que ocorreu em França, mas não nos países anglo-saxónicos.

Atualmente na Europa, esses países são aqueles onde vingam mais os partidos racistas, que até chegam ao poder.

Numa situação em que a religião, a tradição e a supressão das insubmissões entre o indivíduo e o Estado fez baixar a racionalidade básica, deixou de haver qualquer elemento que pudesse conter o Estado e impedi-lo de ser liderado por seja quem fosse. Vou terminar o programa de hoje com uma frase da autora francesa Simone de Bauvoir: “Associámo-nos tanto às ideologias produzidas pelas pessoas, que nos esquecemos das pessoas”.

Esta foi a análise sobre este tema do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara



Notícias relacionadas