Os curdos foram atraiçoados?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma vez mais que vai retirar as tropas americanas da Síria. A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit, em Ancara.

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Os curdos foram atraiçoados?

Perspetiva Global 52

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma vez mais que vai retirar as tropas americanas da Síria. Esperamos que desta vez o senhor Trump não se vergue uma vez mais à ordem estabelecida em Washington. Esperamos também, tal como ele, que os soldados americanos na Síria regressem sãos e salvos a casa.

A discussão agora é sobre o porquê dos Estados Unidos terem tomado esta decisão, se se vão de facto retirar ou não da Síria, e se continuarão a sua presença na região de outra forma, no caso de se retirarem. Surgem por isso as seguintes questões:

Que tipo de políticas expansionistas irá Israel adotar no caso da retirada das tropas americanas? A França, que não deixou de ter ambições imperialistas, poderá preencher o vazio deixado pelos Estados Unidos se estes se retirarem da Síria? E que impacto é que a saída das tropas americanas na Síria terá sobre as políticas de países como o Irão, a Rússia, a Síria, a Arábia Saudita e outros países árabes? Todas estas questões devem ser avaliadas. No entanto, no programa desta semana, gostaria de me focar sobre a forma como este tema está a ser abordado nos meios de comunicação internacionais, sobre a questão dos curdos.

A retirada dos Estados Unidos da Síria, está a ser abordada por alguns meios de comunicação ocidentais na perspetiva do debate sobre o papel de Washington enquanto polícia do mundo, e que os curdos serão agora deixados sozinhos na Síria. E a declaração do presidente francês Emmanuel Macron sobre a necessidade dos aliados terem que dar confiança àqueles com quem trabalham, aponta para uma abordagem semelhante.

Os Estados Unidos são o polícia do mundo?

Os Estados Unidos deveriam ser o polícia do mundo? A palavra “polícia”, não é talvez a mais adequada. Mas todos os países, incluindo os Estados Unidos em particular, devem apoiar a procura por justiça global. A violação dos direitos humanos, os assassinatos em massa contra as suas próprias populações e a limpeza étnica, não podem ser considerados como questões internas de cada país. Sei que estas declarações ou justificações são frequentemente instrumentalizadas pelos atores internacionais, para justificar as suas ações internacionais. Mas esta situação não deve mudar o facto de que as violações dos direitos humanos, que conduzem à limpeza étnica, não podem ser consideradas como questões internas dos países.

Os curdos foram uma vez mais atraiçoados?

Alguns meios de comunicação ocidentais podem ter convencido a sua audiência de que o PKK e o PYD representam os curdos. Mas há talvez uma parte da audiência que não conseguiram convencer, que provavelmente serão os próprios curdos, já que eles presenciam todos os dias as ações das organizações terroristas PKK e PYD, que prejudicam sobretudo os curdos desde há dezenas de anos. Sim, foram martirizados bebés, mulheres, jovens professores, civis, polícias e soldados turcos. Mas entre as mais de 40 mil pessoas mortas pelo PKK, a grande maioria foram curdos. O PKK não oferece qualquer outra alternativa para além da morte dos curdos, que se opõem à ideologia totalitária marxista e leninista, e que não adotam o terrorismo como método de intervenção. As ações do PYD, a ramificação do grupo terrorista PKK na Síria, não são diferentes. Os curdos são as testemunhas mais próximas da limpeza étnica contra os curdos e árabes que não pensam como eles.

O refúgio para os curdos que fogem do terrorismo do PKK e do PYD é a Turquia, apesar de todas as distorções feitas por estas organizações. Infelizmente, as notícias sobre as mulheres e crianças curdas e sobre as fações opositoras, que se refugiaram na Turquia, aparecem muito menos na imprensa ocidental. Apesar daqueles que fazem limpeza étnica contra o seu próprio povo serem mostrados por alguns meios de comunicação ocidentais como guerrilheiros e heróis da liberdade, o povo curdo oprimido está consciente da verdade.

 

Quem são os 4 milhões de refugiados na Turquia?

Sabemos que as democracias ocidentais estão sob a ameaça do neonazismo e do neofascimo, e que esta ameaça está a crescer gradualmente com a chegada de centenas de milhares de refugiados sírios aos países ocidentais. A Turquia, assume atualmente a responsabilidade de se tornar uma zona tampão para as democracias ocidentais, com os 4 milhões de refugiados que acolhe. E então, enquanto alguns círculos no Ocidente identificam constantemente o PYD com os curdos, quem são estes 4 milhões de pessoas? Apesar de neste grupo existirem cristãos e turcomanos, a maioria destas pessoas são sírios árabes e curdos. Mas ao mesmo tempo que esta realidade se vê claramente, continuam a considerar o PYD como sendo o representante dos curdos.

Será que deixou de haver senso comum no Ocidente?

Parece que consigo ouvir alguns dos meus leitores e ouvintes dizer “ouça, seja qual for a verdade, os povos ocidentais foram convencidos pelos serviços de informação e pelos canais de notícias ocidentais, de que o PYD é o representante dos curdos. O senhor está a escrever em vão”. Em parte, até pode ser que tenham razão. Mas há pessoas em todos os países, incluindo os do Ocidente, que procuram um mundo baseado em valores e que não cedem o seu senso comum às notícias publicadas pelos serviços de informação, ligados a interesses. Apesar de não se poder constatar no curto prazo, o que dá forma ao mundo a longo prazo são os esforços das pessoas com senso comum. E por isso, têm o direito a saber a verdade.

Tal como o DAESH não pode representar os árabes e Hitler não representa os alemães, o PYD também não pode representar os curdos. Nenhum povo pode ser identificado com uma organização terrorista. Tal identificação é desde logo um grande insulto para o público.

Como resultado de tudo isto, se existe uma tradição ao longo do caminho, os curdos não são isto. Por que é que o povo curdo se sente incomodado com a retirada das tropas dos Estados Unidos, quando é esmagado pelo domínio do regime sírio e de organizações terroristas como o PKK, o PYD e o DAESH? Eles encontraram a paz em todo o tipo de desenvolvimentos que enfraqueceram as organizações terroristas na região. Por isso, não são os curdos aqueles que estão no meio, mas sim as organizações terroristas que usam todos os meios para os forçar a aceitarem as suas ideologias gastas, obrigando à sua obediência.

Esta foi a análise sobre este assunto do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit, em Ancara



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