O Orientalismo que se transforma em regionalismo (Parte 2)

Regressar ao seu país com estudos que não contribuem para o seu país, causa problemas em muitos aspetos desde há 200 anos.  A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara.

1096694
O Orientalismo que se transforma em regionalismo (Parte 2)

Perspetiva Global 48

No programa da semana passada dissemos que o orientalismo mudou de estilo e que as pessoas das sociedades não ocidentais estão agora mais disponíveis para apresentar diretamente os seus estudos, indo viver para os países ocidentais em vez de serem os investigadores ocidentais a ir para fora dos seus países. Apontámos também o erro que é enviar para o estrangeiro pessoas para acumularem experiências do estrangeiro, mas que na prática apenas levam para o estrangeiro a experiência que acumularam nos seus países à custa dos fundos dos seus próprios países, acabando por se transformarem em peritos sobre os seus países no estrangeiro, nos países para onde foram viver, apesar do objetivo ser exatamente o oposto, ou seja, que se transformassem em peritos sobre o país para onde foram e não sobre o país de onde vieram.

Os intelectuais que se transformam em forasteiros

Regressar ao seu país com estudos que não contribuem para o seu país, causa problemas em muitos aspetos desde há 200 anos. Nesta situação, começam desde logo por se perderem os fundos gastos com as pessoas enviadas para o estrangeiro. O facto daqueles que são enviados para o estrangeiro não prestarem serviços que nos deem esperança, vai contra o desenvolvimento dos países e acaba com as esperanças de que possam ser alcançados resultados. Quando regressam ao seu país com estudos realizados para os países ocidentais, as pessoas mais qualificadas dos países passam a ser forasteiras dos países ocidentais na sua própria casa. E quando se trata da Turquia, poderemos dizer que esta situação poderá uma das principais responsáveis pelo isolamento intelectual que enfrentamos desde há 200 anos? Além disso, é um grande privilégio, em particular nos países em vias de desenvolvimento. E por isso é atribuído um sentido especial ao regresso destas pessoas privilegiadas. Mas é muito grave o efeito negativo causado por aqueles que regressam aos seus países como estranhos na sua própria sociedade.

Podemos perceber as expressões do grande vizir otomano Said Halim Pasha há um século, para perceber que esta situação não é nova. Salid Halim Pasha falou em dois tipos de intelectuais: um que não conhece o Ocidente e o outro que não conhece a sua própria sociedade. E ele questionou qual seria o mais perigoso. Segundo ele, ambos são perigosos. Mas os intelectuais que conhecem o Ocidente mas não o seu país, são mais perigosos.

Uma parte daqueles que viveram mais tempo no estrangeiro, regressam ao seu país quase com ódio pelo facto de se terem afastado das suas próprias sociedades. Mas as suas sociedades muitas vezes avançaram mais neste processo. O que se espera daqueles que regressam do estrangeiro é que partilhem a sua acumulação de conhecimento no exterior, em vez de repetirem de forma dura e humilhante as deficiências da sua sociedade. Além disso, espera-se que não passem ao seu país a admiração que sentem pela literatura e teorias estrangeiras, mas sim que revejam a literatura e as teorias nacionais usando a acumulação de conhecimento que conseguiram, em prol do seu país, através de uma postura crítica.

Orientalizar-se a si mesmo…

Aqueles que realizam investigações no estrangeiro em nome das instituições públicas ou que o fazem em nome de instituições académicas, são os académicos que se podem tornar mais perigosos pois são eles que irão formar as gerações futuras, apesar de se terem afastado das suas sociedades. As informações, as teorias, os métodos e os índices ensinados na ciência social dos países ocidentais, são sem dúvida muito úteis para esses países. E estas informações podem, em certa medida, ser também usadas para outros países. Mas quando os académicos ensinam as ciências sociais como a política, a sociologia e a economia apenas da forma que se faz no Ocidente, podem perder a ligação à realidade e à história dos seus países, já que a literatura científica ocidental não contém muitas vezes os enfoques e as informações sobre as sociedades não ocidentais.  

Espera-se que os países não ocidentais deem lugar a estas informações, e por isso espera-se que os académicos agreguem a sua própria acumulação de conhecimento, com as práticas científicas ocidentais. Se isto não acontecer, a história e a acumulação de conhecimento dos países será descartada pelos seus próprios académicos.

A origem do problema

Sem dúvida, há investigadores que realizam estudos muito valiosos no estrangeiro para o seu país. Guardando lugar para a exceção que representam estas pessoas, podemos concluir que a origem do problema está nas seguintes situações:

O país emissor não tem regras orientadoras e restritivas sobre este tema: Não interessa se os peritos que vão para o estrangeiro vêm de instituições públicas ou das universidades. O problema está no facto das instituições no geral não colocarem condições àqueles que enviam para o estrangeiro. E além disso, nalguns casos, o candidato até pode escolher o país para onde vai.

Aqueles que se destacam seguem por atalhos: É preciso que aqueles que se destacam no estrangeiro se foquem em trabalhos sobre os países para onde vão, e que saibam falar melhor a língua desse país. Isto porque os círculos académicos com os quais mantêm relações têm mais informações sobre o tema. Mas nos casos em que trabalham em temas sobre o seu país, não precisam de se esforçar tanto. Eu deparei-me com muitos estudos de doutoramento que não têm qualquer sentido para os seus países, pelo facto de seguirem por atalhos.

Um estudante na Áustria disse-me que estava a trabalhar sobre a questão da Turquia na União Europeia, e outro na Alemanha disse-me que o seu trabalho era sobre o Partido da Justiça e Desenvolvimento. Ambos disseram-me que não queriam regressar à Turquia. Eu disse-lhes que a Turquia precisa de mais pessoas com doutoramentos feitos no estrangeiro, mas que as pessoas nas ruas da Turquia conhecem muito bem os seus estudos. E a seguir perguntei-lhes como poderiam contribuir para a Turquia com os seus estudos. Disse-lhes também que os temas sobre os quais estão a trabalhar na Europa são muito importantes para os europeus, e que por isso seria melhor que procurassem os seus futuros na Europa.

Adicionalmente, dois dos temas de teses de doutoramento que presenciei nos Estados Unidos em 2 017 foram muito semelhantes: “Movimentos Islamitas na Turquia” e “O Impacto do Sufismo no Movimento Curdo”. Apesar de não ter podido conhecer as pessoas por detrás destas teses, deixo-lhes o meu comentário: “Que tipo de contribuição pensam dar ao seu país depois de regressarem à Turquia? Se tivessem trabalhado sobre questões como o evangelismo e as relações entre o estado e a religião nos Estados Unidos, a Turquia precisaria mais de vocês”.

A orientação dos académicos com visão imperialista nos países para onde vão viver: Este tipo de orientações podem ser eficazes nalguns casos. Mas esta sugestão não representa um obstáculo insuperável, apesar da insistência. Quando fui a uma entrevista numa universidade do Reino Unido, durante a minha investigação para a tese de doutoramento, disse que a minha vontade era trabalhar acerca de um tema do Reino Unido. E disseram-me que “é incrível, é a primeira vez que encontramos uma proposta de trabalho sobre um tema ocidental”.

Sem dúvida, algumas situações podem requerer estudos sobre a Turquia, que devem inclusivamente ser estimulados. É muito valioso que a história e a herança otomana, que interessa bastante à história de muitos países, sejam corretamente explicadas a todo o mundo de forma correta pelos académicos turcos. Fora desta área, pudemos e poderemos resolver em certa medida os problemas que encontramos desde há 200 anos, com regras sobre a necessidade de autorização para aqueles que são enviados para o estrangeiro para estudar temas sobre a Turquia. Se esta regra for imposta a todas as instituições que enviam pessoas para o estrangeiro, poderemos contribuir para ultrapassar o problema.

Caso contrário, continuaremos a perder os investigadores que vão para o estrangeiro, com estudos realizados para o Ocidente como indicado no poema “Masal” de Sezai Karakoç.

Esta foi a análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara



Notícias relacionadas