A declaração de Ali Yunusi que causou tensão no Irão

A declaração de Ali Yunusi – vice-presidente do Irão – em que disse que os “os azeris (turcos do Irão) são persas que falam turco”, foi recebida com forte contestação por parte dos turcos do Irão. A análise do Dr. Cemil Dogaç Ipek.

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A declaração de Ali Yunusi que causou tensão no Irão

Nas últimas semanas, o vice-presidente do Irão Ali Yunusi fez declarações que fizeram surgir novas tensões no Irão. A sua declaração foi a seguinte: “os azeris (turcos do Irão) são persas que falam turco”. No programa desta semana, vamos analisar a questão dos turcos do Irão e os reflexos desta matéria na política externa da Turquia. Já a seguir, apresentamos a avaliação sobre este assunto do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Ataturk.

A declaração de Ali Yunusi – vice-presidente do Irão – em que disse que os “os azeris (turcos do Irão) são persas que falam turco”, foi recebida com forte contestação por parte dos turcos do Irão. Depois desta declaração, a proposta feita à Rússia pelo Irão, no sentido de que sejam dadas aulas em russo e em farsi nos dois países (enquanto segundo idioma), motivou uma forte contestação por parte dos turcos do Irão.

Os deputados Nadir Gazipur e Hadi Bahadır da Urmia no Parlamento de Teerão, escreveram uma carta ao presidente do país, Hassan Rouhani. 50 deputados de origem turca assinaram a carta, onde é mostrada uma reação de desagrado face à declaração de Yunusi. Nesta carta, é dito que a declaração de Yunusi prejudica a segurança do país e que no Irão vivem diversas nacionalidades. A carta diz também que segundo o Corão, é inaceitável separar as nacionalidades. O documento diz ainda que as violações cometidas contra o idioma de uma nação são uma violação contra toda essa nação, e que o idioma é o elemento mais valioso de todas as sociedades.

Como todos nos lembramos, no passado houve tensão entre persas e turcos no Irão, por vários motivos. No ano de 2 006, foi publicada no Irão uma caricatura num jornal do estado, em que se mostrava um inseto a falar turco. A caricatura vinha acompanhada do seguinte texto: “não se percebe a língua destes insetos. Os iranianos que amam o seu país, têm que mata-los e não podem deixar que deixem os seus excrementos pela casa”.

Esta feia caricatura deu origem a fortes reações em todas as cidades de maioria turca, e em Tebriz em particular. Tiveram lugar manifestações nas quais participaram milhões de pessoas. O estado acabou por fechar o jornal que publicou a caricatura e deteve os seus responsáveis, para tentar tranquilizar as pessoas. Mas o pedido de desculpas, que chegou tarde, não tranquilizou a população. Na sequência dos protestos, o estado interveio e dos confrontos resultaram mais de 50 mortos, centenas de feridos e milhares de detidos.

10 anos após estes acontecimentos, em 2 015, voltou a surgir uma publicação semelhante que insultou os turcos. Num programa de televisão para crianças, emitido pela televisão pública do Irão, foram ditas expressões que continham insultos aos turcos. Neste programa, chamado “Fitile”, o pai e o filho turcos queixam-se do mau cheiro do hotel em que estão hospedados. E o funcionário da receção responde que cheira à boca deles. A cena, destaca de forma indireta que o pai e o filho lavaram os dentes usando o piaçaba.

Esta cena motivou uma grande reação por parte dos turcos que vivem no Irão e nos quatro cantos do mundo. As declarações de Yunusi, que surgiram 3 anos após este incidente, mostram que o Irão não está a tirar a devida lição destas situações.

Os turcos do Irão são uma população com mais de 30 milhões de pessoas, e representam a sociedade mais poderosa do país, juntamente com os persas. Os turcos do Irão desempenharam um papel de liderança nas mudanças políticas vividas no Irão, devido à sua posição geopolítica, estrutura socio-cultural, à sua força económica e potencial da população.

Durante os séculos X e XI, as vagas de emigração dos oghuzes do Azerbaijão, que viviam sob a administração dos turcos seljúcidas, levaram-nos até à atual região do norte do Irão, onde representam a maioria da população, que é de cultura turca. No ano de 1 501, com a criação do estado safavida, a identidade dos povos da região mudou em grande medida. Este regime, cujo centro de poder estava no Azerbaijão, deu ao Irão o estatuto de força regional. Para além de incluir povos de maioria sunita, este estado aceitou os povos da religião xiita.

Durante os reinados das dinastias de Afsar e Kaçar, que mais tarde passaram a dominar a região, a consciência da nacionalidade turca e da religião xiita, continuaram a ganhar importância.

A administração da região durante o período de soberania turca - que se prolongou durante séculos no Irão - terminou nas primeiras duas décadas do século XX. Começou nessa altura o período do regime de Pahlevi, de origem persa. Esta mudança, foi um importante ponto de rutura na perspetiva dos turcos do Irão. Durante este período, os turcos passaram a deparar-se com várias limitações. A ideologia persa, adotada pelos turcos a viver no país durante a era Pahlevi, fez com que surgissem tentativas para reanimar a identidade turca e deu origem a reações contra o regime.

Os turcos, que tiveram sucesso durante o processo para derrubar o Sha, estiveram entre os grupos que lideraram o movimento revolucionário islâmico no Irão.

Atualmente, os turcos têm poder na política e na economia do Irão. Mas o turco não era idioma oficial, porque não era permitida a educação e o ensino em língua turca. E esta situação fez com que por vezes surgissem problemas com o governo do Irão.

Não se pode olhar para os turcos do Irão como sendo uma minoria de um qualquer país. Isto porque desde há 100 anos, os turcos do Irão fizeram parte dos sucessos da história política na região, e continuam a ter um papel importante. A cultura persa e a cultura turca, interagem tanto dentro como for do Irão. Estas duas culturas antigas, deram apoios mútuos muito importantes uma à outra.

Os povos têm que mostrar um mínimo de respeito uns para com os outros, para que possam viver juntos. O Irão é um país com experiência em termos de tradição administrativa. A liberdade de educação e de imprensa na língua materna, é no mundo atual um dos direitos humanos mais básicos. Seria benéfico que na questão da educação em turco e da imprensa na língua turca, o estado iraniano desse uma resposta positiva às solicitações da população. Isto iria garantir uma importante aproximação nas relações entre a Turquia e o Irão, e contribuiria para estabilidade na região.

Esta foi a análise sobre este assunto do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Ataturk



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