Porque é que os grupos terroristas como o DAESH não têm apoio na América Latina?

É impossível pelas mais diversas razões sociais, políticas e económicas, a probabilidade de haver apoio ao DAESH por parte da população de origem árabe a viver na América Latina. A análise de Mehmet Ozkan.

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Porque é que os grupos terroristas como o DAESH não têm apoio na América Latina?

A Atualidade da América Latina / Episódio 20

Inevitavelmente, a ameaça do DAESH teve reflexos no continente da América Latina, desde que o grupo passou a estar no topo da agenda mundial após os ataques na Bélgica, há uns anos. Mas apesar das polémicas à volta do apoio a este grupo, o DAESH nunca se conseguiu estabelecer na América Latina. Mas qual é o motivo para a reduzida participação nas organizações radicais de todas as naturezas, como o DAESH, na América Latina? É preciso perceber melhor o motivo da reduzida participação dos muçulmanos latinos no DAESH. Os muçulmanos da América Latina são em grande medida pessoas que usam os meios de comunicação em condições normais. Em particular, e de forma interessante, surgiram em abril de 2 018, alegações e alguns rumores de que uma hipotética pessoa de origem cubana, teria sido membro do DAESH, e que iria fazer explodir uma bomba num restaurante. Mas esta notícia era falsa, e por este motivo é preciso perceber e esclarecer qual o motivo, da ausência de simpatias pelo DAESH na América Latina. Por que motivo o DAESH não está presente na América Latina? Como olham os grupos terroristas como o DAESH, para os muçulmanos latino americanos?

É preciso destacar bem, e em particular quando se fala do Médio Oriente, que os latinos têm uma perspetiva sobre o Médio Oriente que se resume em quatro palavras: turcos, Palestina, Israel e petróleo. Outra perspetiva dos latinos americanos sobre a região, é a ligação entre o mundo muçulmano e o terrorismo, que começou a disseminar-se depois do 11 de setembro. Com a atmosfera criada após o 11 de setembro, começaram a surgir provocações de alguns círculos, com alegações de que poderiam começar a posicionar-se na América Latina grupos radicais como a Al Qaeda. Neste período, tentou-se estabelecer uma falsa perceção de que o Hezbollah poderia ter atividades no continente, através dos seus membros na América Latina. É claro que nenhuma destas ideias se tornou permanente. Mas a única coisa permanente foi a perceção negativa contra os muçulmanos árabes no continente. À medida que esta perceção se foi pouco a pouco dissipando, começou a falar-se do DAESH no continente, tal como aconteceu em todo o mundo.

É impossível pelas mais diversas razões sociais, políticas e económicas, a probabilidade de haver apoio ao DAESH por parte da população de origem árabe, a viver na América Latina. Mas este perigo passará a ser real, no caso de surgirem simpatizantes do DAESH nas gerações mais jovens, que recentemente se converteram ao islão. A América Latina é uma região onde os jovens e as mulheres no grupo etário entre os 18 e 24 anos em particular, se estão a dirigir para o islão. Os recursos de informação e comunicação mais importantes desta geração jovem que optou pelo islão, são a internet, os grupos de Facebook e as amizades feitas no mundo árabe. Devido à escassez de literatura islâmica em espanhol, os fóruns de internet passaram a ser as fontes de informação, e a principal forma de comunicar e socialização destas pessoas.

Entretanto, e há que referi-lo, a maioria dos jovens que se converteram ao islão, têm uma visão romântica da religião. Devido ao romanticismo e à atração da cultura árabe, a maior contribuição da internet enquanto meio de informação destas pessoas, representa uma oportunidade para se abrirem a novos mundos, onde poderão encontrar um novo futuro e até um noivo ou noiva mais adequados às suas pretensões. E talvez devido à sua extrema viciação à internet, podemos classificar os muçulmanos da América Latina como uma comunidade sempre ligada. Existe fraqueza nas relações internas dentro da comunidade, pois dominam as relações cibernéticas para além da cultura latina. Por estas questões, não existe uma transformação completa destes novos fiéis do islão.

A maior vantagem, que pode ser também a maior desvantagem dos latino americanos que se converteram recentemente ao islão, é o facto de serem seriamente apolíticos. São tão apolíticos, que podem deparar-se com a ameaça de se desligarem da realidade política e social, depois de optarem pelo islão. As suas posturas apolíticas podem ser a principal razão para não se juntarem a grupos radicais como o DAESH ou outros. Por isso, a reduzida participação que se verifica no DAESH na América Latina, é explicada por esta postura apolítica dos latino americanos muçulmanos, e não apenas pela distância geográfica em relação ao Médio Oriente.

Apesar de se falar da ameaça do DAESH em algumas partes do continente, atualmente a América Latina representa um perigo mínimo em termos do DAESH, e continua a ser o continente mais seguro nesta perspetiva. Apesar do principal meio de comunicação e informação dos muçulmanos da América Latina serem os meios de comunicação social, o DAESH não conseguiu ter êxito em atrair os muçulmanos latino americanos através destes meios. E provavelmente nunca conseguirá ter sucesso. Por isso, deve-se olhar de forma crítica para as notícias divulgadas nos meios de comunicação em espanhol e em inglês, que tentam mostrar ligações entre a América Latina e os grupos terroristas no Médio Oriente. Caso não tenhamos esta postura crítica, ficaremos com uma perspetiva errada baseada em notícias falsas, sobre uma região tão distante. E dessa forma, ficaremos também distantes de uma avaliação correta dos desenvolvimentos que ocorrem no continente.

Esta foi a opinião sobre este assunto do Doutor Associado Mehmet Ozkan, membro do corpo académico da Academia de Polícia e Coordenador para a América Latina da Agência de Cooperação e Coordenação da Turquia (TIKA)



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