A Turquia e a Rússia atravessam as suas melhores relações de sempre

Continua a competição geopolítica entre a Turquia e a Rússia em muitas áreas estratégicas, mas ao mesmo tempo alarga-se a colaboração entre os dois países. A análise do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Dep. de Relações Internacionais na Univ. Ataturk.

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A Turquia e a Rússia atravessam as suas melhores relações de sempre

Na Federação Russa, milhões de eleitores acudiram às urnas para votar nas eleições presidenciais. Por outro lado, o Reino Unido responsabilizou a Rússia pelo envenenamento de Serguei Skripal, em Londres. No programa desta semana, vamos analisar estes desenvolvimentos e os seus reflexos nas relações entre a Turquia e a Rússia.

Na Federação Russa, milhões de eleitores foram às urnas para eleger o seu presidente nas eleições de 18 de março. Vladimir Putin venceu estas eleições com cerca de 75% dos votos, e vai assumir o cargo presidencial pela quarta vez.

Por outro lado, do Reino Unido vieram declarações da primeiro-ministro, Theresa May, acusando diretamente o governo russo pelo envenenamento em Londres do ex-agente russo Serguei Skripal e da sua filha, que foram alvo de um ataque com um agente neurotóxico. E assim começou uma nova fase na tensão vivida ultimamente entre os países ocidentais e a Rússia.

O Reino Unido, os Estados Unidos e a Alemanha, fizeram uma declaração comum dizendo que “depois da II Guerra Mundial, esta foi a primeira vez que foi usada uma substância neurotóxica no continente europeu”, e acrescentaram que “este ataque tomou como alvo a soberania do Reino Unido e violou o Acordo de Proibição de Armas Químicas”. Isto mostra que o Ocidente levou este ataque muito a sério.

A Rússia respondeu a estas acusações dizendo que se trata de um “número de circo”. Segundo alguns especialistas, a declaração russa falando em “número de circo”, foi escolhida de forma propositada. A sede em Londres do MI-6, os serviços de informação britânicos, está situada na Praça Circus (que significa circo), em Cambridge. Ou seja, ao dizer que esta situação é um número de circo, os russos estão a dizer que “esta situação foi criada pelos serviços secretos ingleses e nós sabemos disso”.

A tensão recente, poderá diminuir as divisões entre os países ocidentais face a Moscovo. Caso esta unidade se concretize, poderá haver mais sanções contra a Rússia. E se houver novas sanções, também a Turquia, que colabora com a Rússia nas áreas militar e da energia, poderá ser alvo de pressões.

A compra por parte da Turquia dos mísseis rusos S-400, a construção do gasoduto Turkish Stream e até a construção da central nuclear de Akkuyu, poderão ser alvo de sanções. A Turquia tem que estar preparada para lidar com as pressões que possam chegar do Ocidente.

Atualmente, parece ter surgido uma nova guerra fria. E enquanto se passa tudo isto, a que nível estão as relações turco-russas? Atualmente, as relações entre a Turquia e a Rússia estão no seu melhor nível de sempre. Continua a competição geopolítica entre a Turquia e a Rússia em muitas áreas estratégicas, mas ao mesmo tempo alarga-se a colaboração entre os dois países. A Turquia e a Rússia, depois do fim da guerra fria, desenvolveram muitos campos de colaboração comuns.

As relações entre a Turquia e a Rússia continuam de forma adequada, assentes em 3 eixos básicos: energia (através do Turkish Stream), militar (compra dos mísseis S-400) e a Síria (através da operação Ramo de Oliveira). Sobretudo na questão da Síria em particular, e apesar da Turquia, um membro da NATO, estar sob a ameaça de mísseis, os sistemas de defesa antiaérea Patriot foram trazidos pela NATO muito tarde para a Turquia. Com a exceção da Espanha e de Itália, os países da NATO tiraram as suas baterias antiaéreas à primeira oportunidade.

Atualmente, o PKK/PYD-YPG tem nas suas mãos armas ligeiras e pesadas oriundas de países da NATO. Os explosivos militares que fazem parte do arsenal da NATO, foram usados no centro de Istambul pelos terroristas. O Ocidente não mostrou uma reação forte contra a sangrenta tentativa de golpe de estado do 15 de julho, realizada pela FETO. Tudo o que se passou, faz com que a Turquia tenha que procurar alternativas.

Hoje em dia, as políticas de duplo critério do Ocidente, empurram a Turquia e a Rússia para a colaboração comum. Por este motivo, a conjuntura internacional e regional criam o ambiente político adequado para a concretização do projeto Turkish Stream. Este projeto ajudará a Turquia a ser um centro de energia e a tornar-se num país de trânsito, que planeou a aposta de se tornar numa via segura para o transporte global de energia.

O transporte do gás natural russo para a Europa através da Turquia, com o gasoduto Turkish Stream, tornou estáveis as relações entre a Turquia e a Rússia. Além disso, podemos esperar o começo de um novo período na área da energia nas relações entre a Turquia e a UE.

O projeto Turkish Stream é o resultado da confiança que a Rússia tem na Turquia. O Turkish Stream é importante, pois cria uma nova rota de passagem de energia e influencia positivamente as relações entre os dois países. Adicionalmente, a central nuclear de Akkuyu – a primeira da Turquia - irá ser construída por uma empresa russa dos setor da energia. Isto dá uma nova dimensão às relações bilaterais.

Em resumo, o ponto a que as coisas chegaram atualmente, dá indicações de que poderemos estar perante uma nova guerra fria. E sem dúvida, ambos os lados tentarão puxar a Turquia para o seu lado. Não é preciso ser adivinho para perceber que a Turquia se irá orientar para os seus próprios interesses. Depois do 15 de julho, o processo iniciado com a operação Escudo do Eufrates e que continua, dá detalhes suficientes e muito claros para os olhos de quem queira ver.

No processo que se irá seguir, os Estados Unidos vão aumentar a sua pressão sobre os aliados próximos da Rússia e sobretudo sobre a Turquia. Neste ponto, continua a ser um problema importante a existência do grupo terrorista PKK/YPG a leste de Manbij e do Eufrates. Se não forem cabalmente satisfeitas as exigências da Turquia a este respeito, Ancara poderá adiar o processo de normalização que iniciou com os Estados Unidos. E na realidade, isto era o que a Rússia esperava há muito tempo.

Esta foi a análise sobre este assunto do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Departamento de Relações Internacionais na Universidade de Ataturk



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