As novas elites da América Latina

Irá a classe média criar ou não turbulência na política ao longo da próxima década, ou só daqui a 20 anos? A Atualidade na América Latina, um programa de Mehmet Ozkan.

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As novas elites da América Latina

Atualidade na América Latina / Capítulo 7

A maioria dos países da América Latina ocupam os últimos lugares da lista no que diz respeito à distribuição do rendimento mundial. A distribuição de rendimentos passou a ser mais desequilibrada desde há muitos anos e esta situação criou um fosso entre as pessoas. Atualmente, as pessoas já deixaram de abordar as questões da injustiça da desigualdade de rendimentos, e pelo contrário tentam apenas sobreviver sozinhas aceitando a situação. Tendo em conta os desenvolvimentos económicos registados ao longo da última década, surgiu uma nova classe económica. Como deve ser analisada esta classe? Poderá esta nova classe económica mudar a ordem política e económica?

Desde há muitos anos, quase todos os países da região foram dirigidos por famílias elitistas, que assumiram a liderança da vida política, económica, social e cultural dos países. Desde os militares até à burocracia, na política e nas universidades, sempre se destacaram aqueles que eram oriundos das famílias mais poderosas. Ter o apelido da família certa, pode trazer muitas vantagens aos indivíduos, tal como acontece no mundo árabe. Ter o apelido de uma família poderosa e antiga, pode abrir muitas portas mesmo a quem não tem qualificações.

A onda esquerdista no continente, que começou depois de 1 999, foi uma resposta populista para quebrar este sistema hierárquico. Mas agora, um a um, os poderes de esquerda estão a ser eliminados, sem que este sistema tivesse deixado de existir, já que foi protegido. Mas uma outra e diferente dinâmica social irá forçar este sistema a mudar no médio e longo prazo, e já começa a surgir no continente: a nova classe média que está a crescer.

O crescimento da classe média está sempre associado a exigências. Apesar do seu silêncio, faz cálculos e tem uma matriz capitalista em muitas ocasiões. E depois de ser satisfeita uma das suas exigências, continua a exigir mais a seguir. Estas exigências surgem sob a forma de exigências políticas. A única resposta ao surgimento da Primavera Árabe no ano de 2 010 e não em 1 990, foi a consolidação da classe média criada pelas aberturas neoliberais, que começaram no mundo árabe depois do fim da Guerra Fria. Os ditadores árabes, focaram-se em criar uma nova classe, que ampliaria a sua base social e aumentaria a sua legitimidade através de políticas neoliberais. Mas esta nova classe que surgiu, acabou por se transformar no inimigo número 1 desses regimes.

Atualmente, está a dar-se um processo similar na América Latina. Apesar de ter surgido uma nova classe rica nos países que passaram pela onda esquerdista, esta riqueza não foi natural e não deixará uma influência permanente. O que transforma uma classe em classe média, é o facto dos membros dessa classe subirem na vida à custa do trabalho árduo. Sofrem muitas dificuldades e vivem muito de perto os problemas estruturais. Pelo facto de sofrerem muitas dificuldades, não é fácil subirem de classe. O aspeto mais interessante, é que o único obstáculo perante o seu maior desenvolvimento e crescimento da classe média, é o sistema político ou as elites, que conhecem muito bem. Por isso, quando falamos da nova classe média na América Latina, não me estou a referir às pessoas que enriqueceram com a onda esquerdista ou devido à produção artificial de uma classe rica. Mas graças ao espaço aberto pelos poderes de esquerda, surgiu uma classe que tenta subir na vida, apesar de ter antecedentes mais humildes e de ter passado antes por dificuldades.

A classe média na América Latina é ainda tímida e tem receios. Sente-se como se fosse estrangeira ou pressionada nas cidades dominadas maioritariamente pelas elites. Isto porque o elitismo é algo poderoso e dominante nas capitais da América Latina e não pode ser derrotado por ninguém. Determina muitas coisas, nomeadamente as preferências por marcas de carros e de roupa e define a imagem pessoal. Ter dinheiro na América Latina equivale a ser uma boa pessoa. Ter algumas coisas com a expressão vulgar, é mais importante e tem mais valor do que ser um homem bom. Esta cultura elitista é artificial, visual e sem fundamentos. Por este motivo, é menos profunda que a sua versão original. Porque se trata na realidade de uma má cópia do Ocidente, mas tenta comparar-se a si própria com o Ocidente. Mas a intenção de competir com o Ocidente é o reflexo de um defeito profundo.

Aqui neste ambiente social, a nova classe média procura coisas profundas e com sentido. Não existe uma classe média que tenha encontrado algo saudável nestas procuras até hoje. Isto porque alguns tentam captar a simpatia das antigas elites, e para isso fazem todo o tipo de palhaçadas. Outros tentam simplesmente desaparecer, isolando-se.

Por isso, é possível falar de uma séria tensão psicológica no continente. A tendência em muitos rapazes e raparigas latino americanos é no sentido de se casarem com estrangeiros, com base num desejo de criar um mundo novo abandonando o seu país. Há também as diferenças entre eles e as elites ou contra as elites, que são como falhas sísmicas que todos os dias ganham mais tensão.

Não se sabe se esta classe média cria ou não uma turbulência na política, mas ao longo da próxima década ou de 20 anos, será uma realidade que contribuirá com uma cor diferente e séria, para a estrutura psicológica do continente. O seu nível ou os aspetos que irão mudar, dependem essencialmente de um líder provável, que irá agrupar esta nova classe média à sua volta. Se a prazo surgirem candidatos extraordinários, populistas ou fora dos candidatos tradicionais, será possível seguir o futuro da classe média e dos seus desempenhos.

Esta foi a análise sobre esta questão do Doutor Associado Mehmet Ozkan, membro do corpo académico da Academia de Polícia e Coordenador para a América Latina da Agência de Cooperação e Coordenação da Turquia (TIKA)



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