Como olha a América Latina para os imigrantes?

A única forma de integrar os imigrantes num país ou num continente, é integra-los no processo de decisão para se adaptarem ao país. A Atualidade da América Latina é um programa de Mehmet Ozkan.

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Como olha a América Latina para os imigrantes?

A mobilidade humana e a imigração aumentaram em todo o mundo. As guerras civis e os maus governos são as principais razões por detrás dos fluxos migratórios. Naturalmente, a América Latina também tem a sua quota parte nesta onda migratória, mas a diferença nesta parte do mundo é que os fluxos migratórios são de sentido duplo. A América Latina, de forma interessante, foi um continente onde os imigrantes, os estrangeiros e os que procuram uma nova vida, se sentiram confortáveis para facilmente fazerem parte destas sociedades. Apesar deste panorama geral, recentemente os emigrantes venezuelanos estão a criar novas dificuldades no continente. Mas o que está na origem da abertura política face à imigração? Que elementos tornaram a imigração na América Latina um caso de sucesso até agora?

O primeiro motivo, é o facto da América Latina ser na realidade um continente de imigrantes, mais do que os Estados Unidos. Os imigrantes de fora do continente, conseguiram facilmente subir na pirâmide social e política, e a sociedade assimilou-os como se fossem do continente.

Os muçulmanos, cristãos, judeus e os durzies, oriundos das regiões otomanas no final do século XIX, puderam facilmente encontrar o seu espaço em muitos países da América Latina. Estes “turcos” alcançaram posições muito respeitáveis na política e na economia, aos quais depois se juntaram outros imigrantes oriundos da Palestina, de Espanha e países europeus.

Ao continente chegam imigrantes de países com problemas, como o Afeganistão e a Síria. Segundo os dados da ONU, até agora chegaram a esta região 5 413 imigrantes sírios na qualidade de refugiados, sendo que 87% deles optaram pelo Brasil. Outros escolheram o Equador, o Uruguai e o Paraguai. Um dos motivos para escolher o Brasil, é o facto de haver uma população de 8 milhões de árabes no país. Os sírios pensaram por isso que aí não haveria um choque cultural, para além do Brasil também ter facilitado a abertura das suas portas.

Ao Equador chegaram cerca de 90 sírios, sendo que a maioria deles chegou ao país em condições difíceis. O Equador está também a receber pessoas de origem afegã.

A única forma de integrar os imigrantes num país ou num continente, é integra-los no processo de decisão para se adaptarem ao país. A América Latina tem uma política mais aberta e integradora que outras regiões. Júlio César de origem árabe na Colômbia, Abdalá Bucaran e Jamil Mahuad no Equador e Carlos Menem na Argentina, chegaram ao topo ao assumirem a presidência dos seus países. Alberto Fujimori, o filho de uma família de imigrantes japoneses, foi presidente do Peru entre 1 990 e 2 000. Não só teve um papel muito importante na política peruana, como toda a sua família continua a ser uma das mais fortes na política do país. Keiko Fujimori, a filha de Alberto Fujimori, venceu a primeira volta das eleições presidenciais, mas acabaria derrotada na segunda ronda em 2 016.

Pedro Kuczynski, eleito presidente contra Fujimori, é filho de uma família imigrante de origem polaca. É economista e casado com uma americana. Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff na presidência do Brasil, é filho de uma família de imigrantes de origem libanesa.

A influência política dos imigrantes no continente, não está limitada aos que chegam a posições de topo na política. Na burocracia de nível médio da América Latina há também muitos estrangeiros, que facilmente encontram trabalho em posições chave do estado. Até nas posições como a presidência de gabinetes nos departamentos externos, os imigrantes têm uma séria influência capaz de influir nos processos de tomada de decisão. Além disso, devemos também referir a existência de muitos deputados de origem estrangeira na Venezuela e noutros países.

A presença dos imigrantes na economia, foi destacada pelo mexicano Carlos Slim, de origem síria. Apesar do seu nome ser uma referência para os imigrantes em posições chave na economia, há muitos outros na mesma posição. Os imigrantes têm pequenas e médias empresas, e fazem parte das classes média e alta.

A presença dos imigrantes no continente, não se limita às áreas política e económica. Há também uma séria influência migratória no mundo intelectual. Os académicos oriundos de países ocidentais, dos Estados Unidos, de origem judia e palestinos, contribuem ao mais alto nível para a vida intelectual. No ensino superior do continente, os intelectuais de origem imigrante contribuem também para o processo político, ao dar consultoria aos políticos. E também ampliam os horizontes do continente, ao liga-lo aos intelectuais do resto do mundo.

A posição dos imigrantes na América Latina, a sua influência e as suas façanhas no continente, merecem maior destaque. Mas tal como tentei resumi-lo de forma breve nos parágrafos anteriores, a América Latina transformou-se num continente que gosta verdadeiramente dos imigrantes e colheu os seus frutos em muitas áreas. O continente, que latinizou ao longo de gerações os que para lá foram, graças ao seu idioma e cultura fortes, não olha para os imigrantes como uma ameaça mas sim como uma grande riqueza. Por isso, a América Latina tem uma imensa experiência que deve ser examinada em detalhe, como um recurso de referência para todos os outros países, e em particular para a Europa que não sabe o que fazer com os imigrantes.

Esta foi a análise do Doutor Associado Mehmet Ozkan, académico da Academia de Polícia e Coordenador para a América Latina da Agência Turca de Cooperação e Coordenação (TIKA)



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