Os recentes desenvolvimentos no Iraque e o período pós referendo

A análise de Cemil Dogaç Ipek, doutorado em Relações Internacionais e docente na Universidade Ataturk.

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Os recentes desenvolvimentos no Iraque e o período pós referendo

Passou mais de um mês desde o referendo organização pela Administração Regional Curda do Iraque (ARCI), apesar de todas as objeções. O governo iraquiano interveio contra a ARCI a seguir ao referendo, que foi contra o direito internacional, o que obrigou a Administração Regional Curda do Iraque a recuar para as fronteiras de 2 003. Enquanto há um mês se falava de independência, agora fala-se de uma administração frágil e que se tornou mais dependente de Bagdade.

O referendo abriu o caminho para sérias mudanças. A ação imediata do exército iraquiano e as iniciativas conjuntas do Irão, da Turquia e do Iraque, fizeram descarrilar os planos da Administração Regional Curda do Iraque. Kirkuk e as zonas disputadas foram novamente tomadas pelo governo central. O controlo dos postos fronteiriços e dos aeroportos passou também para o controlo do governo de Bagdade. O exército iraquiano foi enviado para o posto fronteiriço de Habur e a fronteira entre o Iraque e a Síria passou também a estar sob o controlo do governo central.

A Turquia e o Irão, que se debatem com vários pontos de desacordo, nomeadamente ao nível da guerra civil na Síria e da adesão da Turquia à NATO, e ainda na questão da abordagem flexível de Teerão relativamente ao PJAK – o braço iraniano da organização terrorista PKK – aproximaram-se rapidamente e de forma inesperada. Os dois países agiram rapidamente e com uma frente comum para apoiar Bagdade. Da mesma forma, os líderes do Iraque e da Turquia que antes se acusaram duramente há ano atrás por causa da crise da base em Bashiqa, também formam agora uma aliança poderosa.

No momento atual, a Administração Regional Curda do Iraque não perdeu apenas as suas esperanças de independência, mas também as vantagens que tinha obtido de facto desde 2 005, apesar de isso ir contra a constituição iraquiana. A ARCI já perdeu a sua soberania de facto sobre Kirkuk e a seguir perdeu o seu controlo sobre os recursos económicos da região.

Na sequência dos últimos desenvolvimentos, a Administração Regional Curda do Iraque perdeu duas vantagens essenciais e o governo regional do norte do Iraque passou a estar novamente dependente do governo central. A mais importante dessas vantagens é o fim do acesso aos rendimentos do petróleo explorado nas zonas contestadas, com destaque para Kirkuk. O governo central quer assumir o controlo total dos postos fronteiriços. Esta situação, representa uma perda tão grande de rendimento como a perda do controlo das regiões de produção petrolífera, tanto para as pessoas, como para os partidos e líderes do norte do Iraque, uma região que se tornou num feudo devido aos enormes rendimentos económicos obtidos desde o início da década de 1 990 nos postos fronteiriços.

A aliança entre a Turquia, o Irão e o Iraque, começou desde logo por fazer descarrilar os planos dos atores externos à região. Esta aliança colocou em evidência os limites da força das potências externas na nossa região. A abolição do artigo 140 da Constituição do Iraque, em que a situação de Kirkuk e das zonas disputadas permanece uma questão em aberto, é um dos temas da ordem do dia para o governo central do Iraque. E por isso, pode acontecer que Bagdade dê mais um passo e anuncie a abolição da Administração Regional Curda do Iraque.

As tentativas do KDP e do KYB no sentido de tentarem reaver a força de antigamente, podem na verdade multiplicar os problemas do norte do Iraque. Esta situação poderá conduzir a uma divisão no seio da ARCI. Neste caso, e em vez de relações entre Erbil e Bagdade, deveremos antes falar de relações entre Erbil e Bagdade e de relações entre Sulaymaniyah e Bagdade.

Desde o início de novembro, o Iraque parece ter entrado numa nova dimensão. Quem sabe, talvez a ocupação de 14 anos possa finalmente terminar com a consolidação do governo central do Iraque. A identidade nacional iraquiana, acusada de ser artificial devido às diferenças étnicas e religiosas, acabou por se consolidar depois do referendo organizado pela Administração Regional Curda do Iraque. Os turcomenos sunitas e xiitas que combatem nas mesmas fileiras da milícia Hachd al-Chaabi, e os comandantes curdos que combatem os peshmergas pelo exército iraquiano, são os principais indicadores deste reforço da consciência da unidade nacional.

O Iraque vai realizar eleições em 2 018. Estas eleições serão seriamente influenciadas pelos acontecimentos das últimas semanas. Se o primeiro ministro Abadi conseguir manter o seu sucesso no terreno e também ao nível político, o Iraque poderá entrar num novo período de união. Isto é o que desejam o Iraque, o Irão e a Turquia.

Durante os próximos dias, é provável que as relações entre a Turquia e o Iraque continuem a aprofundar-se e que continuem a ser dados passos concretos. Isto porque a Turquia apoia na totalidade o processo que permitiu ao governo central do Iraque recuperar a sua soberania. O reforço da luta conjunta dos dois países contra o terrorismo, é um dos temas na ordem do dia. Também nesta área foi criado um consenso, o que permitiu chegar a acordo sobre a presença da base militar turca em Bashiqa, no Iraque. A Turquia espera acima de tudo que o governo central do Iraque, que registou um avanço notável na sua luta contra o DAESH, faça o mesmo contra o PKK. Sobre esta questão, o Iraque parece partilhar o mesmo desejo da Turquia. Mas para que possa ser alcançado o nível desejado nas relações bilaterais entre a Turquia e o Iraque, esse país terá que manifestar mais do que desejos e terá que dar passos concretos.



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