Raqqa e Deir Ez-Zor: o conflito na Síria ganha dimensão

A análise de Cemil Dogaç Ipek, investigador de relações internacionais na Universidade Ataturk.

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Raqqa e Deir Ez-Zor: o conflito na Síria ganha dimensão

O abate de um avião de caça do regime de Assad perto de Raqqa, por parte dos Estados Unidos e o ataque com mísseis balísticos do Irão em Deir Ez-Zor, fizeram com que a atenção se virasse para estas regiões da Síria. No programa desta semana, vamos analisar os desenvolvimentos nestas duas regiões sírias e o seu impacto na região.

Estes dois desenvolvimentos que tiveram lugar no leste da Síria, podem eventualmente agravar a crise no país e dar-lhe novas dimensões. Um avião de caça do tipo SU-22 da aviação do regime de Assad, foi abatido no domingo, 18 de junho, por um avião americano F-18 depois de ter largado bombas perto de Tabqa, perto de Raqqa. Segundo os Estados Unidos, o avião de caça do regime de Assad foi abatido por estar a atingir as posições das Forças Democráticas Sírias, apoiadas por Washington. Na sua declaração sobre o tema, os responsáveis americanos afirmaram que se voltassem a ser atingidas as forças apoiadas por Washington, a resposta voltaria a ser a mesma. Adicionalmente, o Irão lançou um ataque com mísseis contra elementos do DAESH em Deir Ez-Zor. Os mísseis lançados pelo Irão a partir do oeste do Irão, atravessaram o Iraque e destruíram os seus alvos depois de percorrerem uma distância de 600 kms. Esta situação foi um sinal importante, para mostrar o nível atingido pelo Irão na modernização dos seus mísseis balísticos.

A Federação Russa por seu lado, reagiu de forma fervorosa contra o abate do avião do regime de Assad por parte dos Estados Unidos. A Rússia anunciou ter suspendido o acordo sobre as zonas de segurança e sobre troca de informações. A Rússia não aplica esta regra em toda a Síria. A linha vermelha da Rússia é a zona a oeste do Eufrates. A partir deste momento, todas as atividades dos Estados Unidos e dos seus aliados a oeste do Eufrates, serão consideradas como alvos militares. A Rússia assinala desta forma que poderá atingir as Forças Democráticas Sírias (constituídas essencialmente pelo YPG, o braço sírio da organização terrorista PKK), caso estas forças atravessem para a margem ocidental do Rio Eufrates. Tal como os nossos ouvintes se lembram, a Turquia já tinha avisado os Estados Unidos por repetidas vezes acerca deste assunto. Há mais de um ano (antes do YPG apoiado pelos Estados Unidos ter avançado em direção a Manbij), a Turquia tinha avisado Washington de que não deveria atravessar para oeste do Eufrates. O ex-secretário de estado americano, John Kerry, chegou a fazer promessas sobre este assunto, mas infelizmente elas não foram cumpridas.

A guerra civil na Síria tornou-se num combate que junta países situados a milhares de quilómetros uns dos outros, e onde se desenvolvem atividades hostis. Por este motivo, a guerra civil está agora num ponto crítico que pode desencadear uma reação em cadeia à escala regional. A operação no norte da Síria conduzida pelos Estados Unidos, continua nos arredores de Raqqa. Por outro lado, as forças de Assad aproximam-se também de Raqqa, enquanto que a sul, surgem linhas de contacto críticas ao longo da fronteira da Jordânia, em redor de Al Tanif.

Os combates na região ocidental da Síria, registaram algum abrandamento. Mas a guerra nas zonas controladas pelo DAESH, incluindo Raqqa, o leste e o sul do país, continuam ainda com mais violência. Raqqa e Deir Ez-Zor são zonas com ricos recursos naturais. Estas cidades têm também uma importância estratégica pelo facto de estarem geograficamente próximas da Turquia e do Iraque. Por isso, as consequências da guerra no leste da Síria e as forças que irão preencher o vazio que surgirá depois do DAESH ser eliminado nesta região, irão definir em grande medida o futuro da Síria.

A força que preencher o vazio deixado no leste da Síria, depois da eliminação do DAESH, é uma questão absolutamente fundamental. Derrotar o DAESH de forma rápida sem planear o período que se segue ao final dos combates, encerra alguns riscos. Esta situação pode implicar uma transformação perigosa da rede terrorista do DAESH e dar origem a novas organizações terroristas. O declínio do DAESH no plano militar e a morte de alguns dos seus dirigentes são saudados na arena internacional. Mas as preocupações são cada vez maiores em relação à substituição das atrocidades do DAESH, pela brutalidade dos militantes xiitas, pelo expansionismo iraniano e pelo PKK, que é uma das organizações terroristas mais atrozes no Médio Oriente. Depois da partida do DAESH, pode eventualmente vir a travar-se uma guerra pela partilha do território entre os milicianos paramilitares iranianos e o PKK. No estado atual, os Estados Unidos podem vir a ser uma das partes interessadas em combater através do PYD/YPG/PKK, algo que eles não desejam de forma alguma. Os Estados Unidos podem assim pagar um preço muito alto por terem dado apoio ao PYD/YPG/PKK, apesar dos avisos da Turquia e de terem agido de forma contrária aos princípios da NATO.

Tendo em conta tudo isto, a guerra civil na Síria entrou agora numa nova fase, tanto a norte como a sul do país. Esta nova fase implica importantes riscos caso as tensões se multipliquem. Cálculos incorretos ao nível operacional, poderão dar origem a grandes combates. Os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime de Assad e pelos seus aliados, e os ataques terroristas impiedosos de organizações terroristas como o DAESH e o PKK, destruíram a Síria e o povo sírio. No momento atual, se forem cometidos erros com insistência, a guerra civil síria poderá tornar-se num conflito regional.



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