O referendo na Turquia e as suas consequências
A análise de Cemil Dogaç Ipek, um investigador de Relações Internacionais na Universidade Ataturk.
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A constituição e a bicefalia no poder executivo, são dois dos temas mais discutidos na Turquia desde há vários anos. E foi neste sentido que se organizou o referendo de 16 de abril. No nosso programa de hoje, vamos analisar os resultados do referendo na Turquia e as suas consequências.
Por um lado, a Turquia luta com todas as suas forças contra organizações terroristas como o DAESH, o PKK e a FETO. E por outro, o país tenta sarar as suas feridas depois da tentativa de golpe de estado de 15 de julho de 2 016. Os riscos que estiveram por detrás da tentativa de golpe do 15 de julho ainda estão presentes. Para que a República da Turquia possa respirar nas condições atuais, o Partido AK e o partido MHP elaboraram uma proposta de revisão constitucional. Esta revisão foi sujeita à aprovação da nação turca a 16 de abril.
Contados os votos do referendo, 51,41% dos cidadãos turcos pronunciaram-se a favor do “sim”. E desta forma, a revisão da constituição foi aceite pela nação turca.
A constituição de 1 982 que atualmente está em vigor, inclui numerosos desvios do sistema parlamentar clássico, do ponto de vista das competências e responsabilidades do presidente. A alma golpista presente na constituição de 1 982, nunca conseguiu ser eficaz apesar das 18 emendas feitas a esta constituição. A crise no sistema foi ainda mais aprofundada com a eleição do presidente pela primeira vez em 2 014. O paradoxo de competências e responsabilidades deu origem a uma crise no sistema.
O processo levado a cabo com o golpe de estado de 12 de setembro de 1 980 e que se prolongou até à tentativa de golpe de estado de 15 de julho de 2 016, tornou obrigatórias um conjunto sério de emendas à constituição, para determinar de forma clara e absoluta as normas constitucionais, as funções e as suas competências.
As linhas gerais do conteúdo da emenda constitucional elaborada pelo Partido AK e pelo MHP e adotadas no referendo, são as seguintes:
Com esta revisão constitucional, o sistema de governo vai mudar. A bicefalia deixa de existir. O presidente passará a ser o centro do poder executivo.
O poder legislativo será atribuído à Grande Assembleia Nacional da Turquia, impedindo assim que o governo se imiscua no poder legislativo com projetos de lei. Por este motivo, os poderes legislativo e executivo estarão completamente separados. A divisão de poderes fica assim garantida de forma mais clara e acentuada.
A imunidade efetiva e jurídica do presidente deixa de existir. O presidente passa a partir de agora a ter responsabilidade penais e políticas por todas as suas atividades.
Com a separação aberta dos poderes executivo e legislativo, os cidadãos turcos vão poder eleger o executivo votando em eleições diferentes.
A obrigação de que partido que faz parte do governo seja também o partido político que detém a maioria no campo legislativo, deixa também de existir. Por outro lado, a obrigação de que o presidente corte os seus laços com o seu partido político, deixa também de existir. A idade mínima para a eleição do presidente baixou para os 18 anos, permitindo assim que a juventude turca também possa participar na atividade política. O número de deputados será aumentado para 600, o que permitirá aumentar as competências de representação da assembleia.
Os decretos presidenciais deixarão de ter a qualidade e o estatuto de lei. Os decretos não poderão mais legislar sobre questões já reguladas por leis. Os decretos presidenciais serão também controlados pelo Tribunal Constitucional.
Os recursos para o Supremo Tribunal são facilitados. Desta forma, o poder legislativo poderá controlar o poder executivo.
As eleições legislativas e presidenciais terão lugar no mesmo dia, a cada 5 anos. Se o presidente decidir convocar novas eleições, o seu mandato será também terminado.
A independência e também a imparcialidade da justiça serão doravante regidas pela constituição. A assembleia irá nomear pela primeira vez 7 membros do Alto Conselho de Juízes e Procuradores, constituído por 13 membros.
Uma das mudanças mais importantes deste novo sistema, é o facto da nação eleger diretamente o poder executivo. Como os poderes executivo e legislativo estarão completamente separados, o governo deixará de ser formado a partir da assembleia. Passará a ser a nação a dar o seu voto de confiança.
Alguns defendem que o novo sistema irá dar lugar ao “poder de um só homem”. Muito pelo contrário, graças ao forte equilíbrio criado com o novo sistema e aos mecanismos de controlo, o autoritarismo deixa de ser possível. Todos os trabalhos e atividades do executivo serão controlados pelo poder legislativo e pela justiça. Os dispositivos que serão criados, têm como objetivo prevenir as crises e reforçar o denominador comum entre os cidadãos, bem como desenvolver uma cultura baseada no entendimento.
Em resumo, a Turquia que foi sacudida por uma tentativa de golpe de estado a 15 de julho, conseguiu ultrapassar com sucesso a situação e virou a página. Enquanto o estado não for forte e as decisões não forem rapidamente aprovadas, e enquanto existir ambiguidade jurídica e efetiva no governo, a Turquia não poderá atingir os objetivos de 2 023 e de 2 053.
Renovar o acordo social, ou seja, a constituição, é uma iniciativa lógica. Adicionalmente, o Partido AK e o MHP encontraram uma solução que não serve as potências estrangeiras, mas sim a nação turca. A nação turca tomou ela própria a decisão final quanto ao seu futuro. A nação turca saiu reforçada com este entendimento e garantiu o seu futuro.
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