Recordar Ibn Kaldun e Toynbee: desafios e respostas

“O homem cria civilizações, não como resultado de um poder biológico superior ou de um ambiente geográfico, mas sim como uma resposta a um desafio numa situação especial de dificuldade, que o leva a empreender um esforço sem precedentes”.

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Recordar Ibn Kaldun e Toynbee: desafios e respostas

O recente dinamismo da política externa turca, abriu novas possibilidades nas suas relações com uma série de países, nomeadamente a Rússia, o Iraque, o Irão, o Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Israel, a União Europeia, os países balcânicos e ainda importantes nações africanas.

Apesar das divergências sobre o apoio que os Estados Unidos dão às Unidades de Proteção do Povo (YPG) – a ramificação na Síria da organização ilegal PKK – a Turquia trabalhou com a administração Obama em várias questões regionais. No essencial, a Turquia procura uma política de equilíbrio e igualdade entre o Oriente e o Ocidente, entre a Europa e o Médio Oriente, e entre a Euroásia, a África, a América do Norte e a América Latina.

A chave desta perspetiva é o facto da Turquia não olhar para a política externa como um jogo de soma zero. O facto da Turquia ser um membro da NATO, não significa que não possa ter boas relações com a Rússia ou com a China. Os fortes laços históricos e culturais da Turquia com o mundo muçulmano, não a impedem de se integrar na União Europeia como um membro de pleno direito. Nenhuma destas equações é mutuamente exclusiva. Pelo contrário, se forem usadas de forma correta, podem ser relações que se fortalecem mutuamente e através das quais será possível ultrapassar os preconceitos, as perceções erradas e as rivalidades políticas entre o mundo islâmico e o Ocidente. Nenhuma destas relações tem que ser desenvolvida e cultivada à custa das outras.

A procura por uma política de equilíbrio e igualdade é também necessária devido à posição geopolítica da Turquia, aos laços históricos com várias regiões e continentes, aos interesses de segurança e aos desafios em mudança do globalismo. O reducionismo não funciona em nenhuma área da vida humana, e isto é ainda mais verdade no que toca à política externa.

Enquanto alguns querem que a Turquia reduza todas as suas escolhas a um só conjunto de opções – como o Ocidente ou o Médio Oriente – as realidades no terreno, bem como uma perspetiva mais ampla da Turquia no mundo, sugerem e forçam inclusivamente a necessidade de ter múltiplas opções.

Um exemplo disto é a recente evolução da situação na Síria nos últimos 3 meses. Depois de normalizar as suas relações com a Rússia em junho do ano passado, a Turquia começou rapidamente a alargar a sua cooperação com a Rússia nas relações bilaterais, mas também na guerra da Síria. Enquanto as Nações Unidas e os Estados Unidos fracassaram na implementação de um cessar fogo de largo alcance na Síria – na sequência dos Acordos de Genebra – a Turquia e a Rússia chegaram a um acordo de cessar fogo e de evacuação de Alepo Oriental.

O cessar fogo em todo o país, que entrou em vigor no dia 30 de dezembro de 2 016, mantém-se apesar das violações por parte do regime sírio e dos grupos de milícias. Falando do ponto de vista relativo, a situação na Síria é hoje muito melhor do que o ambiente de guerra total que tirou a vida a dezenas de milhares de pessoas nos últimos 6 anos. E agora, a oposição síria e o regime estão-se a preparar para as conversações de Astana, que começam no dia 23 de janeiro.

Estes acontecimentos recentes são um reflexo da natureza extremamente complexa e complicada dos conflitos na Síria, Iraque e para além destes países, que afetam o equilíbrio político global de múltiplas formas.

O terrorismo transformou-se num fenómeno mundial que não respeita as fronteiras dos países. Os estados falhados, o governos frágeis, os atores não governamentais, as rivalidades de poder e as guerras pelo poder, representam uma grande ameaça contra a segurança e a paz de todas as nações, do Médio Oriente até à Europa, passando também pelos Estados Unidos. Se estas questões não forem bem dirigidas, o mundo inteiro será queimado nas chamas selvagens do terrorismo moderno. Isto requer uma perspetiva mais ampla sobre a forma de superar os desafios do tempo atual, que se move em direção a caminhos seriamente destrutivos.

E sobre esta questão, podemos recorrer a dois historiadores proeminentes do último milénio: Arnold Toynbee descreve o processo de mudança nas civilizações em termos de desafios e resposta. As civilizações, as maiores unidades da sociedade humana, crescem quando respondem de forma criativa aos desafios inesperados. E entram em colapso e morrem quando deixam de conseguir encontrar respostas criativas aos desafios que enfrentam. Na sua monumental obra “A study of History” (Um estudo da História), Toynbee examina os exemplos da antiguidade e transporta-os para os tempos modernos, para mostrar como as civilizações (e podemos também acrescentar os estados), emergem ou sucumbem em função da sua capacidade em responder aos desafios que podem surgir no seu interior ou que vêm de fora. Segundo ele, “O homem cria civilizações, não como resultado de um poder biológico superior ou de um ambiente geográfico, mas sim como uma resposta a um desafio numa situação especial de dificuldade, que o leva a empreender um esforço sem precedentes”.

Na sua essência, isto foi o que disse Ibn Kaldun 6 séculos antes de Toynbee, quando o grande historiador e pensador tunisino analisou como um grupo de pessoas chegou a posições proeminentes, depois de seguir os princípios da solidariedade e da coesão, que definiu usando a expressão “assabiyyah”. Ibn Kaldun explica também como e porque é que os estados perdem a sua vantagem competitiva, quando deixam de responder aos desafios colocados pelos grupos rivais que têm um sentido mais forte de unidade e solidariedade.

Quando se tem em conta a situação da política em tempos de crise e a sua debilidade no mundo atual, devemos examinar como os países do leste ao ocidente estão a responder, bem como as suas falta de resposta aos desafios que enfrentam. Nesta era global de interdependência, nenhum fracasso é um incidente isolado pois afeta o equilíbrio global de poder e cria desequilíbrios. Ajudarmo-nos mutuamente, assegura o desenvolvimento de novas e criativas capacidades para responder aos desafios comuns. Esta atitude não é apenas um dever cívico à escala global, mas também uma necessidade estratégica para a segurança e prosperidade de todos nós.



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