O Ibn Jaldun tem uma mensagem para nós

Abdur Rahman bin Muhmmad bin Jaldun (1 322 – 1 406) foi uma das maiores mentes islâmicas da tradição intelectual islâmica e é conhecido pela sua obra mestra, o Muqaddima.

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O Ibn Jaldun tem uma mensagem para nós

Abdur Rahman bin Muhmmad bin Jaldun (1 322 – 1 406) foi uma das maiores mentes islâmicas da tradição intelectual islâmica e é conhecido pela sua obra mestra, o Muqaddima. Ele escreveu sobre a história, a cultura, a sociedade, a civilização e o poder político mais do que qualquer outro pensador muçulmano. As suas observações profundas sobre as sociedades do norte de África – das quais fez parte – levaram-no a desenvolver um surpreendente conceito de história universal e da civilização mundial.

Com a sua mente de primeira classe e com amplos interesses em todos os campos principais do conhecimento, Ibn Jaldun foi tanto um pensador como um fazedor. Alguns consideram-no como o fundador da sociologia. Os historiadores admiram a sua sabedoria acerca do crescimento e declínio das grandes potências. Os marxistas exaltam-no por causa dos seus pensamentos penetrantes sobre o poder e as forças económicas, na conformação das atitudes individuais e nos relacionamentos sociais. Os estadistas e historiadores otomanos analisaram e usaram o seu conceito de “Asabiyyah”, para explicar os êxitos e fracassos do império ao longo dos séculos. Alguns consideraram-no como o maior filósofo da civilização. Ele é uma figura de enorme interesse, que deixou pensamentos duradouros independentemente do ângulo pelo qual abordemos a sua obra.

Nos nossos dias, Ibn Jaldun tem uma mensagem para todos nós, que vivemos numa época de crescente insegurança e desordem global. Se a história servir de testemunha, e ela era importante para Ibn Jaldun, dir-nos-á que “a chave para o bem estar material e espiritual é a coesão e a solidariedade. O ser humano é, pela sua natureza, um “ser político” no sentido em que está obrigado a viver juntamente com outros para preservar a sua linhagem, satisfazer as suas necessidades básicas e concretizar o seu potencial de ser civilizado”.

As forças destrutivas inerentes à natureza humana são travadas quando as pessoas aprendem a coexistir e a ajudar-se mutuamente. Isto requer um conjunto de princípios morais e políticos, à volta dos quais as pessoas se devem unir. O mais importante é que nenhuma civilização possa existir sem que haja uma fundamentação metafísica. Aqueles que perdem a sua coesão social e a solidariedade do grupo, são invadidos por outros que mantém a sua unidade, força e resiliência.

Para Ibn Jaldun, a questão mais importante é saber o que mantém um grupo de pessoas unido e limitado. Esta é a base de toda a cultura, civilização e poder político ou domínio. Sem este ingrediente básico, nenhum grupo, tribo, clã nem nenhuma comunidade por maior que seja, pode alcançar o poder político, construir uma vida urbana e mantê-la. E é aqui que encontramos o conceito central de Ibn Jaldun de “Assabiyyah”, ou seja, a solidariedade do grupo e a coesão social. “A dificuldade em traduzir esta expressão de Ibn Jaldun e as várias tentativas em transmiti-lo para diferentes idiomas, testemunham a sua importância crucial).

“Assabiyyah” é a cole que une um grupo. Dá ao grupo o poder e a capacidade de se proteger contra os agressores externos e permite estabelecer a paz e a ordem dentro do próprio grupo. É o que os prepara para construir im “umran”, ou seja, a civilização.

Mas esta situação é também o lugar onde nos deparamos com um importante dilema jalduniano: quando um grupo de pessoas limitadas e fortalecidas pelo Assabiyyah atinge a vida urbana e alcança a civilização, perde a sua coesão social e o sentido da solidariedade. À medida que os indivíduos começam a desfrutar dos benefícios e dos confortos da vida civilizada num contexto urbano, começam a ser insensíveis, preguiçosos e “demasiado maduros” para se protegerem contra o ataque daqueles que mantém as suas “virtudes de beduíno” e qualidades guerreiras. É só uma questão de tempo até que estas pessoas sejam invadidas por outras.

No paradigma jalduniano, o preço da civilização é a perda da coesão social, a solidariedade grupal e as nobres qualidade que os acompanham. Aqueles que perdem a sua Assabiyyah perdem também a sua “assalah”, ou seja, a nobreza. E isto transforma-se numa questão recorrente: um ciclo social eterno, através do qual as tribos, as nações, os estados e os impérios se levantam e caem.

Ibn Jaldun defendeu que a vida útil deste ciclo é de cerca de 4 gerações, ou seja, um pouco mais de um século. Ele também acreditava que a base mais fundamental da coesão social é o parentesco. Não existe um vínculo mais forte e viável que possa unir tanto as pessoas. Ninguém se atreverá a atacar aqueles que têm fortes laços de parentesco. Mas perdem o seu sentido de ligação familiar à medida que se transformam em habitantes das da cidade e em indivíduos urbanizados e civilizados. Ibn Jaldun não encontrou uma saída para este dilema: Alcançar o poder, a vida urbana e a civilização através do assabiyyah do grupo. Mas quando as pessoas desse grupo começam a desfrutar dos benefícios da vida sedentária e civilizada, o grupo perde a coesão.

Claramente, esta teoria jalduniana tem sentido em pequenos grupos como as tribos, mas não serve para explicar as unidades sociais de maiores dimensões e a forma como se unem para criar estado e impérios de longa duração. Esta teoria de Ibn Jaldun é desafiada também pelas complexidades do mundo moderno em que vivemos. E então, o que vamos fazer? Vamos julgar a sua teoria como sendo demasiada baseada em micro-unidades, em tribos e como sendo antiquada?

A resposta é não. No entanto, devemos continuar a problematizar a sua noção de coesão social e de solidariedade grupal, baseada no parentesco e nos laços tribais. Devemos também rever e ampliar a sua análise para compreendermos as questões chave da coesão, da urbanização e da civilização em contextos urbanos e globais mais amplos. Esta é uma tarefa urgente, principalmente para o mundo muçulmano que sofre de falta de coesão social e de unidade civilizacional.

Os estados falhados e fracos, os atores não estatais, o tribalismo, o sectarismo, o nacionalismo étnico e a uma série de outros problemas, privam as sociedade muçulmanas de qualquer “cola” que os proteja contra os agressores, e impede que os seus recursos intelectuais e materiais concretizem a cultura e a civilização.

O conceito de coesão social e de solidariedade coletiva de Ibn Jaldun, está relacionado como que diz o verso 46 da sura Al Anfal do Corão: “E obedece a Alá e ao seu Mensageiro, e não discutam entre vós próprios (para que não vacileis) e a vossa força se afaste de vocês, por isso sede firmes! Alá está com os que não desistem!”.

Quando os membros do mesmo grupo ou nação começam a guerrear-se entre si de forma destrutiva, perdem o seu “vento”, ou seja, a sua força, e vacilam em todos os aspetos da sua vida.

Já é tempo das sociedades muçulmanas contemporâneas lerem Ibn Jaldun à luz da má situação atual em que se encontram.

Manter tanto a coesão social como a civilização urbana, pode ser uma tarefa hercúlea. Mas temos que correr o risco imposto por este desafio, para superar a maioria das nossas dolências modernas.



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