A Perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente

Tunísia: terá a democratização falhado?

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A Perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente

A tentativa de suicídio por imolação pelo fogo de Mohamed Bouazizi – um vendedor ambulante tunisino com diploma universitário - ocorrida no dia 17 de dezembro de 2 010 e acabaria por conduzir à sua morte 2 semanas mais tarde, esteve na origem do eclodir da revolução tunisina contra o regime autoritário vigente. A revolução na Tunísia, acabaria depois por se estender também a outros países árabes, tendo o processo que se seguiu ficado conhecido como “A Primavera Árabe”.

O presidente autoritário da Tunísia, Zine el-Abidine Ben Ali, comprendeu que não seria capaz de impedir o levantamento popular. Decidiu por isso, sob pressão, abandonar o país no dia 14 de janeiro de 2 011. No entanto, um caso de morte semelhante ocorrido 5 anos mais tarde, fez rebentar a polémica sobre o sucesso do processo de democratização no país.

Riza Yahyavi, cujo nome tinha sido inscrito em 2 014 pelo governo local de Kasserine na lista de pessoas a serem contratadas, reclamou pelo facto do seu nome ter sido retirado da lista. Yahyavi era um jovem de 28 anos com diploma universitário, que no dia 14 de janeiro subiu até ao cimo de um poste de eletricidade para protestar contra o que lhe tinha acontecido. Acabou por morrer eletrocutado. Esta morte, tal como tinha acontecido 5 anos antes, deu origem a manifestações contra o governo, que em muito pouco tempo se espalharam por 16 províncias da Tunísia, incluindo a capital.

A rápida propagação dos incidentes, forçou inclusivamente o governo a decretar o recolher obrigatório. O que é preciso notar relativamente a esta situação é o facto dos manifestantes – que vieram para as ruas em 2 010 contra o regime autoritário – reclamavam uma mudança da ordem vigente, para que fosse possível a todos viver num clima de honra e justiça. Quanto aos incidentes mais recentes ocorridos em 2 016, verificamos que ocorreram não no contexto de um regime autoritário, mas sim contra uma democracia.

Naturalmente, não negamos a realidade atual e sabemos que a há sérias falhas na transformação registada na Tunísia desde 2 011. À cabeça das falhas que encontramos, está o facto de não terem sido feitas as reformas económicas alargadas, durante o novo período após a revolução. Esta situação por si só, legitima os protestos dos manifestantes.

Ao contrário do que se passou durante as manifestações de 2 010, agora as pessoas desceram às ruas para protestar e reclamar mudanças económicas e desta vez estão a reagir contra um governo eleito. Segundo os dados do Banco Mundial, a taxa de desemprego na Tunísia é atualmente da ordem dos 15%. Esta taxa sobe no entanto para 37% no caso da população jovem, e sobe ainda mais para 62% quando consideramos as pessoas com um diploma universitário. Estes níveis de desemprego são superiores aos registados em 2 010.

A Tunísia, onde as políticas económicas eram parcialmente aplicadas pelo governo de Ben Ali, era uma das melhores economias do mundo árabe e de África. No entanto, quando a população de levantou contra Ben Ali, e nas províncias centrais em particular – como Sidi Bouzid, onde começou a revolução – a economia foi o principal motivo por trás das recentes manifestações. A maior particularidade do crescimento económico durante o governo de Ben Ali, era o facto das desigualdades entre províncias jogarem a seu favor.

Por outro lado, a economia da era Ben Ali também suscitava uma vaga de indignação, pois ela era sustentada num capitalismo entre amigos, parceiros, membros da sua família e pessoas próximas. Apesar de terem sido feitas mudanças sérias do ponto de vista da democratização política na era pós Ben Ali, o mesmo não se passou do ponto de vista económico. Foram registados decréscimos nas exportações, no turismo e na produção industrial, nomeadamente no setor dos fertilizantes e dos fosfatos.

Obviamente que durante o regime anterior, os problemas políticos eram prioritários quando comparados com as questões económicas. O processo de redação da nova Constituição da Tunísia, demorou demasiado tempo. E ainda por cima, o diálogo entre o partido Ennahdha e as formações políticas seculares sobre a relação do estado com a religião, foi uma das questões que mais tempo levou a chegar a acordo na Tunísia, que tem a população mais secular do mundo árabe.

O facto de uma grande parte do governo de coligação - que dirigiu o país durante o período em que foram realizadas as eleições para a assembleia constituinte que redigiu a Constituição – ter enfrentado também eleições parlamentares, causou com frequência problemas entre o Ennahdha e a oposição secular.

O vazio autoritário na Líbia, fez com que se registasse um enorme aumento das atividades dos grupos armados extremistas na Tunísia. Esta situação foi uma das razões que fez com que a oposição secular se unisse nas acusações ao Ennahdha. No espaço de um ano, os ataques contra o turistas britânicos no Museu Bardo, na cidade de Sousse e contra a Guarda Republicana em Tunis, afetaram o setor do turismo.

Por outro lado, os novos exilados políticos que se portaram de forma prudente nas suas relações com as elites clássicas do Estado, bem como os atores económicos e os sindicatos, sentiram-se obrigados a evitar todo o tipo de desenvolvimentos que pudessem assustar as grandes potências. Esta situação, travou os políticos na sua tentativa de implementar reformas económicas eficazes e positivas no domínio económico.

Os conflitos e demissões regulares no seio do partido Nidaa Tounes (Chamada da Tunísia) – que venceu as eleições parlamentares em 2 014 – fizeram com que se intesificassem os problemas vividos durante o período de transição. Em conclusão, nós observamos que a transição democrática continua sem interrupções na Tunísia, ao contrário do que se passa noutros países que também viveram a Primavera Árabe. Isto, apesar de todas as crises sérias que o país atravessou. No entanto, ainda não é possível falar de uma institucionalização democrática estável, em todos os planos. E em consequência disto mesmo, a experiência democrática tunisina tem a particularidade de ser frágil. Esta fragilidade é ainda mais reforçada pelo aumento da violência e dos problemas económicos do país.

A comunidade internacional deve apoiar a Tunísia, para que ela possa ultrapassar com sucesso estes dois problemas. Por outro lado, os atos inquietantes das elites políticas, têm uma importância especial no contexto atual do país.

Se o processo democrático tiver continuação na Tunísia, apesar de todos os problemas vividos até agora, isso dever-se-á em grande parte ao comportamento responsável do partido Ennahdha e do seu líder Rachid Ghannouchi.



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