O genocídio no Ruanda

O genocídio no Ruanda a par do da Bósnia, foi provavelmente o último genocídio na história da humanidade. A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara.

1180753
O genocídio no Ruanda

O genocídio no Ruanda

De acordo com a atual Convenção para a Prevenção e Penalização do Crime de Genocídio, ratificada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 9 de dezembro de 1 948, a definição de genocídio é a seguinte: “Qualquer ato perpetrado com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal. Esses atos incluem:

  1. O assassinato de membros do grupo.
  2. Lesões graves, físicas ou mentais, de membros do grupo.
  3. Submeter de forma intencional os membros do grupo a condições de existência que levem à sua destruição total ou parcial.
  4. Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo.
  5. A transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

De facto, o conceito de genocídio não existia na literatura, até ao momento em que o judeu polaco Raphael Lemkin tentou definir o plano de destruição sistemática da Alemanha nazi contra os judeus, em 1 944. Lemkin usou pela primeira vez o conceito de “genocídio”, que une a palavra grega “geno” (que significa raça ou tribo), com a palavra latina “cide” (assassinato).

Apesar deste conceito ter sido originalmente desenvolvido para definir as práticas inumanas praticadas por alguns estados ocidentais, este conceito tem sido usado principalmente para estados não ocidentais. E é desta forma que trago o assunto até ao genocídio do Ruanda, depois da iniciativa francesa de criar uma comissão para investigar o que se passou nesse paíse africano. O genocídio no Ruanda, antes da Bósnia, foi provavelmente o último da história da humanidade.

 

O fundo histórico: o mesmo clássico também na Bélgica. Dividir para Conquistar

A história do Ruanda, de facto, não é diferente da história de muitos outros países que foram colonizados. O país começou por ser colonizado pela Alemanha. Depois da Alemanha perder a I Guerra Mundial, a Bélgica ocupou o Ruanda. A forma de colonizar o Ruanda não foi diferente da usada noutros países. O que a Bélgica fez no Ruanda, foi mais uma versão da política inglesa de “dividir para conquistar”.

A Bélgica, tal como muitos outros países imperialistas, seguiu uma política de apoio a minorias para que seguissem as suas ordens imperiais. Neste sentido, a Bélgica manteve uma estratégia de solidariedade – iniciada pela Alemanha – com os tutsis contra os hutus, e defendeu que os tutsis eram superiores aos hutus devido à forma do seu crâneo. E foi assim que se criou a tensão entre as tribos tutsis e hutus, que antes viveram em paz durante séculos.

Como resultado desta política belga de “dividir para conquistar”, o país foi liderado sob a pressão da minoria tutsi até à sua independência. Quando o Ruanda obteve a sua independência em 1 961, a administração passou para a mão dos hutus. Após 1 950, a Bélgica começou a apoiar os hutus. E estes, que tinham sido oprimidos durante muitos anos, fizeram aos tutsis o que estes lhes tinham feito a eles.

 

1 994: um milhão de pessoas massacradas

A tensão e os conflitos entre a minoria tutsi e a maioria hutu, continuou até ao ano de 1 994. O então presidente ruandês Juvenal Habyarimana, de etnia hutu, sentou-se à mesa das negociações para alcançar a paz com os tutsis em 1 994. E as duas tribos chegaram a umacordo, que previa a participação e dava voz aos tutsis no governo do país. Mas Habyarimana foi assassinado com o derrube do seu avião.

Os hutus acusaram os tusis pela morte do presidente e começaram um massacre brutal. Cerca de um milhão de tutsis e hutus moderanos foram massacrados em apenas 100 dias, a uma média de 10 mil pessoas por dia. O massacre, apoiado pelos responsáveis do governo e pelos meios de comunicação, foi executado pelos hutus radicais que massacraram e queimaram centenas de pessoas com archotes, por não terem armas de fogo. Foram também violadas as mulheres. Os bilhetes de identidade dados pela Bélgica para dividir os tutsis e os hutus, fizeram com que os tutsis pudessem ser facilmente identificados e massacrados. O genocídio, ao longo de 100 dias, acabou com a tomada do controlo da capital ruandesa por parte da Frente Patriótica Ruandesa (RPF), composta por tutsis.

 

As Nações Unidas retiraram as suas tropas em vez de protegerem os inocentes

Quando começou o genocídio, foram colocados 2 500 elementos das forças de paz das Nações Unidas no Ruanda. O único refúgio dos tutsis face ao genocídio, eram as forças de paz das Nações Unidas. Mas a ação da Força de Paz da ONU não foi diferente do que se passou na Bósnia e em Srebrenica em 1 995. O Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu reduzir o número de soldados de 2 500 para 250. Tal como aconteceu quando o comandante da força de proteção dos capacetes azuis em Srebrenica, Thomas Karreman, entregou a cidade e 25 mil pessoas que se tinham refugiado nela, aos sérvios que cercavam a cidade.

 

O papel de França...

O atual presidente do Ruanda, Paul Kagame, acusou a França e a Bélgica de terem feito os preparativos políticos diretos para o genocídio. As vítimas do genocídio, levaram a tribunal os líderes desses países em França e na Bélgica. A Igreja Católica no Ruanda pediu perdão aos ruandeses, pelo papel desempenhado pela igreja no genocídio.

A Comissão Nacional para a Luta contra o Genocídio no Ruanda (CNLG), anunciou em 2 016 que 22 oficiais franceses de alta patente, entre eles Jacques Lanxade, o chefe de defesa das Forças Armadas de França, e que é acusado de “ter levado a cabo e colaborado com o crime de genocídio”. Os responsáveis franceses foram acusados de treinar e fornecer armas aos autores do genocídio.

A França iniciou uma operação a 23 de junho de 1 994, para criar uma zona segura para os refugiados no sudoeste do país. Mas França limitou o avanço da Frente Patriótica Ruandesa, ao fornecer armas e munições aos executores do genocídio, em vez de o evitar. O jornalista francês Saint-Exupery, alegou que a ordem escrita para armar os hutus foi dada por Hubert Védrine, o secretário geral do então presidente francês, François Mitterand.

E foi horrível a declaração do ex-presidente francês François Mitterand, durante uma entrevista ao jornal Le Figaro em 1 998: “nesses países, o genocídio não é tão importante”.

Finalmente, o atual presidente francês Emmanuel Macron, decidiu criar uma comissão sobre o genocídio 25 anos depois, devido à reação internacional e às críticas sobre os direitos humanos. Mas agora surgiram críticas sobre os nomes “aceites” por França para integrarem a comissão, em vez de observadores imparciais sobre o tema.

O genocídio no Ruanda, no qual a Bélgica e a França são acusadas, aconteceu há 25 anos. E há um mês aconteceu o massacre de 50 muçulmanos durante a oração de sexta-feira, levado a cabo por Brenton Tarrant, na Nova Zelândia. Pensamos quase sempre que o imperialismo já faz parte da história e que o terrorismo racista branco – que eu designo por “Tarrantismo” – deixou de existir. Pensar desta forma, é provavelmente uma necessidade humana, pois queremos que este tipo de massacres façam apenas parte da história.

Mas de pouco importa que tentemos esquecer estas situações. As intenções imperialistas e os objetivos das ideologias letais são muito recentes. Em qualquer caso, somos sempre recordados destas situações. Mas hoje existem métodos tecnológicos para fazer derramar muito mais sangue do que antes. E nós, enquanto família humana, temos a tendência para olhar menos para uma posição comum, ver menor e para reagir menos do que antes, quando a violência tem origem no Ocidente.

Esta foi a análise sobre este tema do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara



Notícias relacionadas