A perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente

Viveram-se momentos de tensão há uns dias entre Ancara e Bagdade, por causa da presença de soldados turcos no Iraque e do papel que eles devem ter durante a operação de libertação de Mossul.

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A perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente

(Transcrição do programa de rádio)

Olá caros ouvintes da Rádio TRT Voz da Turquia, sejam bem vindos a mais uma edição do programa A Perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente.

Viveram-se momentos de tensão há uns dias entre Ancara e Bagdade, por causa da presença de soldados turcos no Iraque e do papel que eles devem ter durante a operação de libertação de Mossul.

Foi visível uma mudança da atitude recíproca ao longo dos últimos tempos entre a Turquia e o Iraque. E isto deu lugar, pelo menos por agora, a um clima de entendimento. De acordo com a situação atual, os soldados turcos tomarão parte na operação de Mossul. Contudo, Bagdade não deverá causar problemas relativamente à presença da Turquia na região. Por outro lado, e segundo a declaração do primeiro ministro iraquiano Haider al-Abadi, as milícias Hashd al-Shaabi que atiçaram as reações negativas da população sunita, não poderão entrar em Mossul. No entanto, a participação nas operações das milícias Hashd al-Vatani – compostas por habitantes de Mossul e que foram criadas pela Turquia – foi aprovada.

Em paralelo, delegações formadas por elementos da Turquia e do Iraque, começaram também a fazer visitas recíprocas. De acordo com a declaração do primeiro ministro turco Binali Yildirim, os aviões de caça turcos vão apoiar a operação de Mossul. A Turquia foi convidada para a reunião sobre Mossul que terá lugar em Paris.

As declarações feitas pela Turquia no sentido de não ser deixada para trás na preparação para a operação de Mossul, foram intencionalmente mal interpretadas por certos meios. O incidente não tem qualquer ligação com a busca enquanto herdeira do império otomano, de qualquer soberania da Turquia sobre esta região.

É impossível que a Turquia permaneça indiferente face à situação no Iraque e na Síria, do posto de vista humanitário e também do ponto de vista da sua própria segurança. A Turquia sente-se obrigada a tomar posições face ao futuro destes países, pois tem fronteiras extensas com estes dois países. E é em função desta obrigação que a Turquia deseja tomar parte na operação de Mossul.

É preciso reconhecer que Mossul é muito importante para a Turquia por vários motivos. Num período em que o Médio Oriente está a ser redesenhado, a Turquia vê-se na obrigação de assumir uma postura sensível sobre o futuro de Mossul. Ancara, pela preocupação que sente relativamente à forte probabilidade de um possível vazio de poder - que possa surgir a seguir à operação de Mossul – surge como a força dominante que será responsável de administrar e garantir a segurança após a operação, e por tudo isto esta questão é muito importante para a Turquia. Nem sequer se pode equacionar a possibilidade da Turquia assumir uma postura passiva, relativamente aos territórios libertados pela organização terrorista PKK, que é um elemento central da ameaça terrorista contra a Turquia desde os anos 80 do século passado.

Naturalmente, há uma questão que preocupa a Turquia: o PKK estabeleceu de facto uma administração militar em Sindjar, a oeste de Mossul. A organização terrorista tenta assim obter um espaço de influência, mobilizando os habitantes de Sindjar no Iraque, até à zona controlada pelo PYD na Síria. A preocupação essencial da Turquia é o risco de ver as organizações terroristas como o PKK ou o DAESH, a aproveitar os vazios de poder que irão surgir no Iraque. O centro da cidade de Sindjar já foi libertado do DAESH, mas Bagdade ainda não foi capaz de exercer a sua autoridade na cidade.

Tomando também em linha de conta os desenvolvimentos noutros locais povoados libertados do DAESH, a Turquia opõe-se a uma situação semelhante à de Mossul. A Turquia tem a intenção de preservar na medida do possível, a estrutura social e o equilíbrio político na cidade. As más políticas do regime de Maliki sobre os sunitas, permitiram ao DAESH que se tornasse mais forte em Mossul, tal como aconteceu também noutras cidades. Neste contexto, Hashd al-Shaabi que figurava entre as forças que pretendiam entrar em Mossul, acabou por ser considerado como “inadequado” pela Turquia. Caso estas milícias participassem na operação de Mossul, as falhas tectónicas tornar-se-iam ainda mais profundas e registar-se-iam confrontos de ordem confessional e étnica em Mossul, que só iriam complicar ainda mais os problemas no Iraque e na região.

A influência iraniana que aumenta a cada dia que passa no Iraque, bem como o seu impacto sobre a administração de Bagdade, são outros elementos que tornam importante a operação de Mossul. Esta situação faz com que Ancara dê passos no sentido de preservar o equilíbrio regional.

Neste contexto, é necessário um clima de entendimento com vista a uma parceria, baseada nas preocupações conjuntas e que permita encontrar pontos de união entre a Turquia, a administração regional no norte do Iraque e os árabes sunitas.

O conflito entre os xiitas e sunitas, que começou na sequência das más políticas postas em prática pelos Estados Unidos após a ocupação de 2 003, é infelizmente muito forte no Iraque. Deste ponto de vista, é importante saber quem irá libertar Mossul. É por esta razão que aquilo que foi feito no passado pelas unidades radicais no seio da Hashd al-Shaabi, deve ser tomado em linha de conta. É importante referir que o presidente da república colocou a tónica sobre este assunto.

A milícia Hashd al-Shaabi aparece frequentemente nas notícias pelos seus ataques contra civis, deixando depois as cidades que ataca à mercê do domínio do DAESH. O relatório publicado no dia 9 de junho pela Human Rights Watch considera a Hashd al-Shaabi responsável pelas execuções sumárias, pelos casos de tortura, pelos desaparecimentos e pelos corpos desmembrados. Por outro lado, a Human Rights Watch exige que este grupo não faça parte da operação na região de Mossul. No dia 18 de julho, a Human Rights Watch publicou um relatório de 70 páginas acusando as milícias xiitas de crimes de guerra.

Os habitantes das cidades que queriam ser libertados do domínio do DAESH, quase não quiseram e continuam a não querer ser confrontados com estas milícias, e têm boas razões para isso. A negligência na situação atual não fará outra coisa que não agravar ainda mais as tensões religiosas na região.

Não é uma solução a considerar, no início da operação, que a conquista de Mossul se trata apenas de um sucesso militar e que nos devemos limitar a esse sucesso. O critério e a medida deste sucesso, deve ser de ordem política. A reconquista de Fallujah das mãos do DAESH por parte do governo central, não foi considerada como uma real libertação pelos seus habitantes, e a mesma coisa é também válida para a maioria dos habitantes de Mossul.

Neste contexto, e para que os habitantes de Mossul se sintam em segurança depois da libertação da cidade, o controlo da segurança pelas forças locais parece ser a única alternativa.

A prova que o governo central do Iraque e os seus aliados deverão ultrapassar com sucesso, não é apenas a “libertação” de Mossul. Eles devem conseguir fazer aquilo que não conseguiram fazer desde 2 003 em Bagdade. E isso passa por conquistar o coração dos habitantes de Mossul.

Termina aqui o programa de hoje, esperamos que tenha gostado de estar na nossa companhia. A Perspetiva da Turquia sobre o Médio Oriente da Rádio TRT Voz da Turquia, regressa na próxima semana. Até lá, fique bem.



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