Os ecos de Abdul Hamid Khan no tempo atual

Este ano assinala-se o 101º aniversário da morte do sultão otomano Abdul Hamid II. A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara.

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Os ecos de Abdul Hamid Khan no tempo atual

O sultão Abdul Hamid II morreu a 10 de dezembro de 1 918. Este ano assinala-se portanto o 101º aniversário da sua morte. Na sua essência, a história não é o passado mas sim a referência mais importante que dá pistas sobre o futuro. Por isso, há que ter em conta a história não na perspetiva dos elógios ou da sátira, mas sim pelas lições que pode dar para o futuro. Como disse Mehmet Akif, que descreveu a “história” como sendo uma “repetição”…

Se tivesse aprendido uma lição, repetiria a história? Neste aspeto, o sultão Abdul Hamid e a sua era, constituem provavelmente o período mais importante da nossa história recente, que nos ajuda a compreender o presente.

Sem dúvida, existem muitas questões a abordar como os esforços de desenvolvimento, as escolas e as estradas construídas, as relações criadas com países longíquos, bem como as políticas de equilíbro global no período em questão. Em vez de mencionar alguns assuntos em particular, quero focar-me nos ecos do passado que ainda fazem parte dos problemas que enfrentamos.

Podemos considerar que o objetivo máximo do sultão Abdul Hamid era manter um grande império, que estava essencialmente em dissolução devido à política de equilíbrio dos poderes imperialistas daquele período. Para manter o Império Otomano, conhecido na altura como o “homem doente da Europa”, Abdul Hamid lutou toda a sua vida contra os atores externos e internos que cooperavam contra os poderes internacionais. E por isso, confrontou-se com muitas acusações injustas.

Sabe-se que o Partido da União e Progresso, que o acusou de ser um tirano, adotou práticas muito mais repressivas quando chegou ao poder. É preciso também referir as tentativas dos judeus sionistas para criarem um estado israelita no território otomano, com o apoio do Reino Unido.

Kâtip Çelebi compara os estados à evolução humana, como Ibn-i Haldun. De acordo com esta ideia, também os estados têm uma infância, uma juventude e velhice. Segundo Kâtip Çelebi, o império otomano já tinha deixado para trás a sua juventude e maturidade, e estava num estado de velhice. Mas tal como os médicos podem prolongar a vida de um doente, também os estados podem atrasar o seu inevitável fim, graças a dirigentes intelectuais e com experiência. Por isso, e ainda segundo Çelebi, a administração do Império Otomano deveria ser entregue a uma pessoa qualificada.

É possível considerar o sultão Abdul Hamid como sendo esta pessoa qualificada, indicada por Kâtip Çelebi. Mas o espírito do tempo já tinha mudado e tinha acabado a era dos impérios. O império otomano não era o único a desaparecer do cenário da história no começo do século XX. O império russo e o império austro-húngaro também desapareceram após o final da I Guerra Mundial. É possível dizer que o império britânico, considerado o ator mais forte daquele período, entrou em decadência após o final da II Guerra Mundial.

 

Os ecos no momento atual

Em termos dos reflexos daquele período no momento atual, é primeiro preciso falar sobre as relações que o sultão Abdul Hamid estabeleceu a nível global no seu período, e o interesse que mostrou pelos muçulmanos em todo o mundo. Por isso, é possível ver que há uma obra e uma relação pertencentes a Abdul Hamid com numerosos países do mundo, do Japão à China, passando também por África, pelo Médio Oriente e pela Europa. Abdul Hamid foi provavelmente o sultão otomano que deixou mais obras em lugares distantes, apesar de todas as dificuldades do estado.

Tendo em conta que o sultão Abdul Hamid não foi um sultão que governou durante um período de ascensão, e que fez esforços para proteger e resgatar o estado, os reflexos deixados por ele e pelo seu período foram sobretudo as suas reflexões sobre estes esforços e sobre os seus resultados.

A queda do poder de Abdul Hamid através de um golpe, e tendo em conta as suas consequências, pode ser considerada como a vitória de uma tradição de golpes para tomar o poder e que até àquela altura tinham tido sucesso. A luta da tradição de democracia, que começou com o Partido da Liberdade e com o Acordo, e que continuou depois na mesma linha com Menderes, Ozal e Erdogan, contra a tradição golpista dos Unionistas – os atores do golpe – continuou ao longo da história da República.

A tradição tutelar e golpista na Turquia ficou muito enfraquecida graças aos passos de democratização e de desmilitarização que foram dados no período de governo do Partido AK. Com o começo do sistema presidencialista, a tradição golpista na Turquia estará provavelmente mais fraca do que nunca na história do país.

O que fizeram para destronar Abdul Hamid, e em particular os esforços dos Unionistas, deixaram-nos uma prática de artimanhas da qual a nação não se apercebe, com elementos internos como intelectuais, meios de comunicação, burocracia e exército, que podem estar em estreita cooperação e através dos quais podem dar-se graves processos contra a nação e contra o estado, fruto desta cooperação. Os processos com que se depararam Menderes, Ozal, Erbakan e Erdogan, são a continuação destes processos que tiveram êxito no passado.

A pessoa do sultão Abdul Hamid foi apresentada à opinião pública interna e externa como se fosse a origem de todos os males e até, em certo sentido, como se fosse uma figura demoníaca. E assim se criou a perceção de que seriam eliminados todos os problemas caso se pusesse fim a esta figura. Sabemos que as tentativas para criar uma perceção de uma pessoa como sendo a origem de todos os problemas, através de palavras de ódio, também foi usada durante os períodos de governo de Menderes, Ozal e Erdogan.

 

Os arrependimentos e o descaramento

Alguns intelectuais, que viram o que aconteceu após o destronamento de Abdul Hamid, expressaram o seu arrependimento. Um dos arrependimentos mais conhecidos  é o poema “Pedido de ajuda à espiritualidade do sultão Abdul Hamid Khan”, escrito pelo poeta Riza Tevfik. Neste impressionante poema, do qual vou apenas partilhar uma estrofe, Riza Tevfik confessa de forma clara o seu arrependimento:

“Quando a história te comemora,

Ser-te-á dada razão grande sultão.

Nós, que te difamámos sem vergonha,

Ao sultão mais político do século”.

No entanto, é difícil dizer se este arrependimento seria uma tendência comum por entre os intelectuais e burocratas otomanos que estavam contra Abdul Hamid. Tal como expressou Kemal Tahir, estes intelectuais e burocratas entraram num processo de ocidentalização para resgatarem o império otomano. E não abandonaram este caminho apesar do estado estar a ser prejudicado, acusando os seus opositores de serem obscurantistas. Dito pelas palavras de Kemal Tahir: “Num certo sentido, desta forma avançaram até à traição. Neste aspeto, os progressistas intelectuais e burocratas otomanos a favor da ocidentalização, receberam o colapso de 1 918 como uma espécie de consequência do destino. Podemos dizer que além disso foram arrogantes, por se sentirem justificados”.

Não será o que disse Kemal Tahir sobre os burocratas otomanos, válido também para alguns intelectuais e burocratas republicanos? Será que se arrependeram estes intelectuais devido aos problemas que enfrentou a Turquia, no processo que culminou com a execução do primeiro ministro mártir Adnan Menderes e no período que se seguiu, e na minha opinião, o assassinato de Turgut Ozal?

Além disso, este tipo de intelectuais do presente, que repetem como um chorrilho de propaganda os focos precisos do Ocidente contra Erdogan, e que não têm qualquer outra agenda, sentirão eles vergonha pelo que fizeram e por terem travado, Alá não o permita, o progresso da Turquia? Ou estarão novamente a fazer esforços para não se encararem com o que fizeram?

Esta foi a opinião sobre este assunto do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Universidade Yildirim Beyazit em Ancara



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