A queda da Europa?

Em França e em alguns países europeus, registam-se intensos protestos com saques e fogos ateados pelos chamados “coletes amarelos”, ao longo de várias semanas. A análise do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Fac. Ciência Política da Univ. Yildirim Beyazit

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A queda da Europa?

Perspetiva Global 50

Em França e em alguns países europeus, registam-se intensos protestos com saques e fogos ateados pelos chamados “coletes amarelos”, ao longo de várias semanas. Segundo as autoridades oficiais, só neste último fim de semana em França, centenas de manifestantes ficaram feridos e milhares de pessoas foram detidas nas manifestações, que também fizeram mortos.

O que se está a passar na Europa? Em muitos dos nossos programas anteriores, indicamos que a Europa está a passar por um período como o anterior à II Guerra Mundial. E falámos sobre a necessidade de encontrar respostas mais profundas para as razões por detrás dos ataques e das manifestações, que aumentam a cada dia que passa e se materializamcontra os imigrantes com xenofobia, islamofobia e antisemitismo. Sublinhámos insistentemente que o problema principal não são os imigrantes, mas sim a própria Europa, e que a Europa evita confrontar-se a si própria culpando os imigrantes ou os muçulmanos. Dissemos também que o problema tem que ver com o futuro da Europa, e que a Europa deverá decidir se quer ser uma Europa que produz valores através da União Europeia, ou ser uma Europa entregue ao fascismo e ao nazismo na sua genética política.

(Para mais informações, poderá consultar também https://www.yenisafak.com/hayat/turkiye-karsitligi-avrupayi-kurtarir-mi-2624277).

Neste ponto, insistimos que amanhã já será demasiado tarde, se as fações liberais europeias não levantarem a voz.

 

As manifestações em França

Os acontecimentos em França fazem com que pouco a pouco, se vejam as razões da introversão da Europa, caracterizada pelos movimentos anti-imigração, ódio e discriminação, que se tornaram normais, e que mostram a Europa a si mesma. As reações mostradas durante as manifestações dos “coletes amarelos” não se dirigem contra os imigrantes e a reação também não surgiu dos imigrantes. O fracaso em alcançar vantagens no processo de globalização, a recessão económica e as expetativas dos franceses em manter o seu bem estar anterior, estão por detrás destas reações. Mas agora, outras economias emergentes e outros desenvolvimentos globais tornam quase impossível que a França, bem como os outros países europeus, mantenham o seu nível de vida anterior e possam continuar com as suas práticas de estado social.

Os acontecimentos e os meios de comunicação

Ainda não nos esquecemos que durante os protestos de Gezi Park em Istambul, em 2 013, quase todos os meios de comunicação do mundo acamparam na Turquia, transmitindo ao vivo durante horas e transformando os manifestantes em heróis. A jovem de lenço vermelho e o símbolo do homem de pé ainda fazem parte das nossas memórias. Os canais dos meios de comunicação social exibiram imagens extravagantes e fizeram críticas intensas contra a polícia e a Turquia, em termos de direitos humanos. No entanto, os meios de comunicação social mundiais falaram muito pouco sobre os protestos dos coletes amarelos em Paris. Na imprensa, quase não houve críticas contra o uso excessivo de força e contra as violações dos direitos humanos, por parte da polícia durante os protestos em que também participaram estudantes de escolas secundárias.

O que querem os coletes amarelos?

Os coletes amarelos, tal como os programas políticos, explicaram as suas exigências em 42 artigos. Estas exigências vão muito para além da suspensão do aumento do preço dos combustíveis. São uma série de exigências políticas, sociais, administrativas e económicas, que apenas poderiam ser pedidas por um partido político. As exigências contemplam uma baixa de impostos e protestam contra o alto custo de vida, querem uma melhoria das condições de trabalho e medidas para a passagem dos imigrantes, e exigem mudanças no sistema eleitoral e o regresso do mandato presidencial de 7 anos.

Derrotar o poder na rua em vez de nas urnas

Sem dúvida, a manifestação democrática é um direito. Todo o tipo de exigências podem ser expressadas nas sociedades democráticas. E com este objetivo em mente, a liberdade de reunião e manifestação pode ser usada sem limites. Desta forma, os governos podem ser forçados a convocar eleições. O uso de força excessiva contra as reações democráticas e as violações dos direitos dos manifestantes, naturalmente, são um crime. No entanto, é clara a forma de mudar o poder político nos países democráticos. Os poderes políticos indesejáveis nas democracias são derrotados nas urnas, não nas ruas.

Devido ao incumprimento das exigências, registaram-se saques de lojas, foram ateados fogos, destruídos edifícios e atacadas pessoas inocentes. Tentou-se assim derrubar o poder político nas ruas em vez de nas urnas, algo que conduz à anarquia e ao fascismo. Apesar do fascismo ser normalmente eleito na Europa através das urnas, é inevitável que os movimentos de rua se transformem em vandalismo.

A herança da revolução francesa para a humanidade

A França, infelizmente, é um país que causou muitas dores a si mesma e à humanidade, em virtude dos seus movimentos de rua. Sabemos como a revolução francesa, que começou com ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, acabou em massacres e guilhotinas em série, que depois afetaram o resto da humanidade.

O nacionalismo, que traz de volta esta revolução, continua a destruir o mundo inteiro. Apesar de estarem entusiasmados por ganhar a sua independência, separar e dividir as pessoas com as suas novas identidades e estados, faz com que as pessoas se possam governar mais facilmente. Mas apesar disto, o iluminismo francês ofereceu à humanidade uma visão superior de confrontação, que isola tudo aquilo que não vê como sendo racional, enquanto bendiz a sua própria visão ao render-se à racionalidade constitutiva da mente. Quando recordamos que as batalhas mais sangrentas da história da humanidade, as maiores mortandades e as guilhotinas ocorreram durante o período das “mentes iluminadas”, não é difícil imaginar em que espécie de Frankenstein se podem transformar as mentes iluminadas quando cortam todas as ligações autolimitadas com a tradição, a moral, a religião, o deus e as instituições intermédias.

Hoje em dia, preocupamo-nos e com razão com a criação de pessoas artificiais, brincando com os embriões humanos. Neste processo, que trará o fim da humanidade, não se pode negar a iluminação de tipo francês que aponta para o isolamento da mente de todos os valores. As pessoas artificiais já não precisam da mente humana. O escritor e filósofo britânico Edmund Burke, no seu livro “Reflexões sobre a revolução francesa” – escrito durante os anos da revolução – indicou de forma tensa as consequências fatais da legitimidade em derrubar o poder político com movimentos de rua ou revoluções. De acordo com a tese do politólogo turco Berat Ozipek, e tal como Burke indicou, quando os jacobinos chegaram ao poder não implementaram os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade e entrou-se num período sangrento. Milhares de pessoas comuns foram enviadas para a guilhotina, e não apenas os membros da nobreza e do clero, incluindo o rei e a rainha. E o político francês Maximilien Robespierre não mandou executar os seus rivais moderados com a aplicação do “terror virtuoso”. Depois destas execuções, o próprio Robespierre não foi executado.

Uma nova onda de irregularidades parece estender-se uma vez mais da França para todo o mundo. Esta irregularidade tem o potencial de causar graves danos a muitos países e à sociedade, incluindo outros países ocidentais. Se eventos semelhantes acontecessem na Turquia ou em sociedades não ocidentais, os estados e as sociedades onde ocorressem estas sitiações seriam humilhados, ao mesmo tempo que seria passada uma imagem idílica dos manifestantes.

O Ocidente e os franceses não mandam em nós. Em qualquer caso, e inclusivamente face às tentativas imperialistas, nós devemos pensar nas sociedades ocidentais e na humanidade, e julgar através da balança da justiça os estados ocidentais.

Esta foi a opinião sobre este assunto do Prof. Dr. Kudret Bulbul, decano da Faculdade de Ciência Política da Univ. Yildirim Beyazit em Ancara



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