As relações entre a Turquia e a América Latina

Neste momento, e quando as telenovelas turcas criam uma nova perceção da Turquia, surge uma séria oportunidade para que a Turquia possa obter êxito no curto prazo, através das suas políticas culturais. A análise de Mehmet Ozkan.

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As relações entre a Turquia e a América Latina

A Atualidade da América Latina / Capítulo 12

A América Latina é celebrada no imaginário do povo turco com o romanticismo, a música, os carnavais, as telenovelas brasileiras e a salsa. No que toca à política externa da Turquia, e tendo em conta distância, a América Latina é uma região que esteve quase sempre afastada da agenda da Turquia. Esta distância também afetou negativamente o comércio. E por isso, a América Latina manteve-se sempre longe da agenda turca, até à chegada dos projetos de lei sobre o suposto genocídio arménio.

A América Latina passa uma imagem de distância, e de que não se interessa pela Turquia. Mas sempre houve simpatia por parte dos turcos em relação a esta região. Mas como poderão as relações entre a Turquia e a América Latina avançar de forma positiva, e em que tipo de plataformas?

A Turquia não mostrou um grande interesse pela América Latina até há pouco anos, exceto quando até lá se deslocou o presidente da Turquia, Suleyman Demirel, em 1 996. Mas agora já se tornou normal que todos os anos aconteça uma visita de rotina por parte do atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que iniciou visitas regulares à região quando ainda era primeiro ministro. Quais deverão ser os principais parâmetros da abertura à América Latina, e que se poderão transformar em rotina nos próximos anos? Dito de outra forma, o que deve estar na base da política da Turquia para a América Latina?

Sem abordar completamente este assunto, devo dizer que a política da Turquia para a América Latina deve ser de caráter neo-otomano no aspeto cultural, e assumir uma postura ocidental a nível económico. Politicamente, deve também assumir uma postura de liderança, sobre todos aqueles que procuram alternativas fora do Ocidente.

Ser neo-otomano a nível cultural na América Latina, vai para além de um conceito contendo o imperialismo ou a saudade de um império, da forma usada por alguns. Trata-se sim de um conceito abarcador, que inclui aspetos religiosos, étnicos e culturais. Existe uma geração que foi para a América Latina, para várias partes do continente, oriunda de Espanha, para fugir à tortura na Andaluzia do século XV, ou por terem sido expulsos. Apesar deste laço andaluz ter sido seriamente transformado ao longo do muito tempo que já passou, deve continuar a ser a veia principal das relações da Turquia e do mundo muçulmano com a América Latina. A segunda veia que liga a América Latina com a nossa geografia das emoções, é a emigração dos turcos que foram para a América Latina em 3 vagas.

A primeira vaga aconteceu no final do século XIX. A segunda surgiu durante a década de 1 930, e finalmente houve outra onda de emigração turca para a América Latina em 1 960, que criou uma migração étnica e deixou a influência religiosa dos “turcos” no continente, pelo facto da primeira geração destas vagas ser principalmente de passaporte otomano.

Mais de um quarto dos turcos no continente são muçulmanos, e os restantes são compostos por outros pequenos grupos como arménios, durzis, cristãos e até alevitas. Aqui na Turquia, e nesta questão, deve ser aplicada uma política cultural neo-otomana de forma agressiva sobre estas pessoas, oriundas da nossa região. Mas o conteúdo desta política deve ser levado para além de um novo romantismo, e deve representar o desenvolvimento de políticas culturais, implementadas a partir de plataformas concretas.

Devem ser apoiadas numa base regular as reuniões, as publicações, associações e fundações dos turcos, num âmbito de oportunidades que permitam mostrar a Turquia e proteger a herança otomana no continente. A Turquia deve mesmo levar esta questão mais adiante, e dar automaticamente a cidadania turca a todos aqueles que tiverem documentos otomanos referentes ao seu passado, no âmbito das celebrações de 2 023, o ano do centenário da república.

Este tipo de aproximação cultural já é feito por Itália e por Espanha na América Latina, e é considerado como um gesto de boas intenções. Este tipo de iniciativas que irão ser implementadas pela Turquia, não terão apenas uma importância simbólica, mas serão também um reflexo importante numa região diferente, para além das políticas étnicas, religiosas ou das seitas que tentam seguir e aplicar os seus costumes na região.

As políticas culturais da Turquia que não puderam ser aplicadas no continente de forma sistemática, tiveram agora a oportunidade de ser desenvolvidas de forma automática através das telenovelas turcas. Em muitos países, do Chile até ao Panamá, o fenómeno das telenovelas turcas que se registou nos últimos anos, criou um sério interesse pela Turquia. As telenovelas trazem à luz do dia a vida moderna da Turquia, através das telenovela Mil e uma Noites, Gumus, e também “Que culpa tem Fatmagul”, que mostra o ambiente familiar e social na Turquia. As novelas desenvolvem também as perceções da região acerca do mundo otomano, através da série “Século Magnífico”.  Neste momento, e quando as telenovelas turcas criam uma nova perceção da Turquia, surge uma séria oportunidade para que a Turquia possa obter êxito no curto prazo, através das suas políticas culturais.

Para levar a sua política cultural no continente um passo mais à frente, a Turquia deverá participar pelo menos como país observador, na Cimeira dos Países Árabes e da América do Sul, que acontece a cada 3 anos e que começou por iniciativa do presidente Lula do Brasil, em 2 005.

Podem surgir oportunidades para desenvolver a cooperação cultural, política e económica, entre o mundo árabe e islâmico, com a América Latina. Se não for possível à Turquia fazer parte do processo da ASPA, o país poderá considerar outras fórmulas. Os países da América Latina começaram recentemente a dar mais atenção à Ásia Central. É possível planear uma Cimeira das Repúblicas Turcas e América Latina, ou podem ser convidados alguns países latino-americanos para as reuniões da Cimeira do Conselho Turco.

Outra opção é a realização de reuniões regulares por parte do Conselho Turco, com organizações regionais da América Latina através da UNASUR. O problema principal para a Turquia, é a ausência de um mecanismo institucional sustentável para o continente. E por isso, a Turquia deve pensar sobre esta questão.

Esta foi a análise sobre este assunto do Doutor Associado Mehmet Ozkan, membro do corpo académico da Academia de Polícia, e coordenador para a América Latina da Agência Turca de Cooperação e Coordenação (TIKA)



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