O dilema político da América Latina

A América Latina é o continente onde mais cresce a desigualdade económica. O fosso entre os rendimentos dos pobres e ricos é tão grande, que só será possível resolvê-lo através de uma grande reforma de cima abaixo. A análise de Mehmet Ozkan.

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O dilema político da América Latina

A Atualidade da América Latina / Capítulo 10

Quando analisamos os principais problemas da América Latina, surgem sem dúvida à frente 3 assuntos: a desigualdade, a violência e os problemas de segurança. Apesar de todos estes problemas serem muito complexos e terem as suas especificidades, acabam por formar um triângulo em que cada um dos problemas se alimenta dos outros dois. Isto cria um beco sem saída. Estes problemas tornam-se ainda maiores devido à corrupção e à insensibilidade das elites. E no centro de tudo isto, está a desigualdade de oportunidades.

Por estes motivos, surgiu e é cultivada uma ampla geração de jovens que consideram que a sua única saída são os caminhos obscuros. Esta massa ampla, está na origem dos problemas sociais e políticos em muitos países da América Latina, que são o núcleo e a consequência do problema. Mas que tipo de solução está a ser apresentada e porque é que é tão difícil resolver este problema na América Latina?

A América Latina é o continente onde mais cresce a desigualdade económica. O fosso entre os rendimentos dos pobres e ricos é tão grande, que só será possível resolvê-lo através de uma grande reforma de cima abaixo. Neste continente, a classe média já desapareceu. Muitas pessoas acreditam que a transição do nível mais baixo para o nível mais alto, só pode acontecer através de meios ilegais. Por isso, pessoas famosas como Pablo Escobar e Chapo Guzmán são vistos como exemplos, que mostram que é possível existir um mundo diferente que acaba com os becos sem saída, ao nível da estrutura social e económica.

A admiração por estas pessoas e pelas estruturas mafiosas, apenas pode ser explicada através da desilusão das pessoas, apesar de todos os seus esforços.

Outro elemento que permite romper as barreias sociais é ser jogador de futebol. Quando olhamos para a história de vida dos futebolistas da América Latina, vemos que na sua maioria têm uma origem humilde. Por isso, o futebol é tão importante como a religião. Os jogadores de futebol são quase vistos como deuses. Talvez se possa considerar que ser artista é outra forma de subir de classe social. Mas para se ser um cantor de sucesso, é preciso fazer parte de uma elite do continente que já seja famosa, ou pelo menos pertencer a uma família de classe média, pois isso facilita os contactos com o mundo da música.

Quando falamos da América Latina, já passou a ser normal pensar em violência e pensar nela como sendo uma parte da vida quotidiana. A violência passou por isso a ser vista como um elemento “normalizado”, que faz parte da cultura latina.

O hábito de viver coma violência e a fadiga de muitos anos com esta questão, faz com que a violência seja vista como algo normal, apesar de ninguém a desejar. Quando a esta situação se junta uma cultura de violência que vem desde há muitos anos – apesar de não ser desejada – estão presentes os elementos que fazem parte da vida no continente.

Apesar de todos os elementos políticos e ideológicos detonarem a violência no continente, o verdadeiro elemento que sustenta o círculo de violência é a desigualdade de rendimentos, como mencionei anteriormente. As pessoas deste continente, em vez de acreditarem na religião e na existência de uma vida após a morte, têm agora uma crença mais próxima do ateísmo. Esta tendência pode ser observada em particular nos jovens, que têm uma abordagem baseada em viver o melhor possível esta vida. E por isso, a violência e o crime transformam-se numa ferramenta legal para atingir este objetivo.

O problema da segurança, que é uma das grandes questões do continente, é sentido em todas as etapas da vida. A forte presença do estado em quase todos os locais, faz com que nos locais em que este não está presente, se criem várias organizações que assumem as funções do estado, em particular nas zonas rurais. Estas organizações administram as suas regiões como se de um estado se tratasse e impõem as suas regras.

Estes grupos garantem a segurança, mas também causam um sério problema de segurança. A segurança das cidades e os crimes comuns são um fenómeno fora de controlo dos estados do continente. Por exemplo na Colômbia, o roubo de telemóveis é todos os anos o crime número 1 no país. Existe no continente um problema de crimes comuns. A insuficiência de sistemas de vigilância, a desconfiança da polícia, os problemas constantes e o próprio sistema de segurança, são para muitas pessoas o maior obstáculo à resolução dos crimes comuns.

O círculo vicioso da desigualdade, a violência e a falta de segurança, são um fator chave para as pessoas que querem perceber os desenvolvimentos atuais no continente. Sem considerar estes elementos, não será fácil perceber os desenvolvimentos políticos e sociais no continente. Os países da América Latina não conseguirão evoluir da estrutura existente, sem resolver estes 3 problemas principais. Segundo algumas pessoas, os países do continente não querem resolver esta situação e o objetivo real é manter o sistema atual.

Num período em que a onda populista está em alta em todo o mundo, não se sabe estas estruturas políticas populistas vão ou não ter sucesso, num continente que luta contra problemas profundos, que se agravam a cada dia. Apesar de nos habituarmos a algumas coisas com o passar do tempo e destas se tornarem normais, na realidade são uma bomba relógio à espera de explodir.

Esta foi a análise sobre este tema do Doutor Associado Mehmet Ozkan, académico da Academia de Polícia e Coordenador para a América Latina da Agência Turca de Coordenação e Cooperação (TIKA)



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