Não poderá haver paz no Médio Oriente, enquanto não houver paz em Jerusalém

Contra o bloco formado pela Turquia, a Rússia, o Irão e o Qatar, os Estados Unidos formaram um bloco – liderado por si – composto pela Arábia Saudita, pelos países do Golfo Pérsico, Egito e Israel, para contrariar as suas políticas erradas no Médio Orient

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Não poderá haver paz no Médio Oriente, enquanto não houver paz em Jerusalém

Diz-se que a 11 de dezembro de 1 917, o general britânico Allenby – que ocupou Jerusalém – disse que as Cruzadas tinham acabado.

Quando tudo arde no Médio Oriente e se vive uma situação de caos, definida pela expressão árabe “fevkanin Tahtanin”, será que a decisão de Trump sobre o reconhecimento de Jerusalém enquanto capital de Israel – incluindo Jerusalém Oriental – conduzirá ao dia do juízo final para a região, ao criar um efeito de bomba atómica que irá resultar numa “grande explosão” no Médio Oriente? Terá algum simbolismo especial pelo facto de acontecer exatamente 100 anos depois da ocupação de 1 917?

Podemos adicionar simbolismo a este acontecimento, pelo facto de ter acontecido no centésimo aniversário da Declaração de Balfour, de 2 de novembro de 1 917, e por acontecer 50 anos depois da invasão de Jerusalém Oriental durante a Guerra dos Seis Dias, em 1 967. Parece óbvio que estamos todos de acordo que Trump não é uma figura refinada, capaz de perceber este simbolismo. Será mesmo assim? Porque é que o presidente dos Estados Unidos tomou esta decisão nesta altura?

Se o simbolismo não é muito convincente, podemos responder a esta questão dizendo que Trump prometeu reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, durante a sua campanha eleitoral. Mas esta resposta não é satisfatória em relação ao “porquê agora?”.

Se pensarmos que nem o simbolismo do centenário nem a promessa de Trump sobre o assunto são suficientes para Jerusalém ser agora reconhecido como capital, temos que procurar por respostas mais profundas, nomeadamente em termos das mudanças no Médio Oriente nos últimos anos. É muito claro que a “Primavera Árabe”, que não foi capaz de trazer a brisa da primavera ao Médio Oriente, foi na verdade um terramoto que fez tremer as divisões étnicas e sectárias na sociedade, numa região com uma sociologia que não poderá voltar a ser reparada. É inquestionável que a região nunca mais será como antes a partir de agora. No entanto, haverá uma nova ordem depois deste raide. A última medida do presidente dos Estados Unidos em relação a Jerusalém, parece ser um esforço para criar uma nova estrutura de satélites à volta de linhas de falha. Mas tal como aconteceu no caso da jogada do referendo de Barzani, contempla a possibilidade de ir mais longe e pior, perdendo o trigo para tentar ganhar o arroz. Dito de outra forma, Washington corre o risco de perder todo o mundo árabe e islâmico.

Apesar do Congresso dos Estados Unidos ter aprovado a mudança da embaixada americana de Telavive para Jerusalém em 1 995, os presidentes americanos adiaram sempre a sua concretização por períodos de 6 meses, tendo em conta a situação. O que aconteceu agora, para os Estados Unidos terem tomado uma decisão destas 22 anos depois?

Os enganos estratégicos dos Estados Unidos, em particular em relação à Síria e ao Iraque, e no Médio Oriente em geral, acabaram por resultar em mais um erro numa cadeia de erros grosseiros na região, que culminou com o reconhecimento de Jerusalém como capital como Israel. Sob a bandeira da guerra contra o terrorismo e o radicalismo, o colapso da infraestrutura estatal em países como o Iraque, a Síria ou o Iémen - que na prática dividiu estes países – é útil para a Rússia e para o Irão, que são os maiores opositores dos Estados Unidos na região.

A Rússia reforçou a sua influência na Síria e transformou a sua influência no país, que assume quase a forma de uma administração obrigatória. O Irão ganhou influência no Iraque e na Síria, e ganhou a capacidade de atingir Israel através do Líbano e do Hezbollah, e ganhou também a capacidade de ameaçar os aliados dos Estados Unidos no Golfo Pérsico, através de países como o Iémen e o Bahrein.

Os Estados Unidos deixaram sozinha a Turquia - sua aliada e parceiro estratégico – na questão da Síria, e forçaram o seu mais importante aliado na região a cooperar com a Rússia e com o Irão, ao apoiarem o PKK, o PYD/YPG e a FETO, que são ameaças para a Turquia. Adicionamos também o Qatar, que também foi forçado a isto pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos.

Os Estados Unidos formaram um bloco – liderado por si – composto pela Arábia Saudita, pelos países do Golfo Pérsico, Egito e Israel contra a Turquia, a Rússia, o Irão e o Qatar, que criaram o seu bloco para contrariar as políticas erradas dos Estados Unidos no Médio Oriente. Este passo, tomado depois do fim do domínio do DAESH, parece ser o produto da recente e emergente reconciliação entre a Arábia Saudita (e os países do Golfo Pérsico), liderados por Muhammad bin Selman, Israel e os Estados Unidos de Trump. Isto porque a recente influência do Irão sobre a região ameaça sobretudo Israel e a Arábia Saudita, e consequentemente os Estados Unidos.

Isto pode ser explicado pelo acordo que Hariri foi forçado a assinar para se demitir em Riade, ou pela aceitação por Mahmoud Abbas – em nome da Autoridade Palestiniana – de um acordo de paz com condições impossíveis. Abbas foi recentemente forçado a aceitar a cidade de Abu Dis – no sudeste da Palestina – como a capital do seu país, em vez de Jerusalém Oriental. O Egito deverá dar a sua contribuição a este bloco, ao prescindir de algum do seu território no Sinai, a favor da Autoridade Palestiniana (talvez como compensação).

O Egito cedeu recentemente duas das suas ilhas estratégicas no Mar Vermelho à Arábia Saudita. É provável que Sisi tenha querido reforçar o seu poder através da assistência e suporte político recebido com este acordo.

No entanto, as coisas podem não correr como planeado no Médio Oriente. Trump fez a sua jogada de xadrez ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Sem dúvida, a Jordânia, muitos países islâmicos e a Turquia em particular, reagiram fortemente contra esta decisão. Mas a questão realmente importante será a reação das pessoas e dos governos do Egito e da Arábia Saudita (e do Golfo Pérsico). Se a população egípcia, saudita e do Golfo Pérsico reagir de forma ativa, a atitude dos governos poderá mudar toda a ordem vigente no Médio Oriente…

A paz não poderá chegar ao Médio Oriente, enquanto não chegar a Jerusalém.



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