“O mundo ocidental tem dificuldade em compreender o golpe de estado e o que se passou a seguir”

Muitas pessoas veem agora como a FETO utilizou os media e os seus trabalhos na sociedade civil.

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“O mundo ocidental tem dificuldade em compreender o golpe de estado e o que se passou a seguir”

No dia 2 de outubro, teve lugar em Istambul uma comemoração dos mártires da tentativa de golpe de estado de 15 de julho. Neste evento, foram cantadas canções do repertório popular por parte dos cantores mais famosos da Turquia, com as músicas a serem selecionadas com base nas preferências musicais dos mártires. Neste evento marcaram presença as famílias dos mártires e os veteranos feridos durante a resistência heroica do povo turco contra o golpe dos Gulenistas. Tendo em conta o facto das populações da região da Anatólia terem expressado a sua alegria e tristeza através de canções ao longo dos séculos, este evento reflete o sentimento de um grande número de pessoas em todo o país.

Este foi apenas um de muitos eventos organizados para comemorar os mártires do 15 de julho. Ao longo das últimas 10 semanas, foram exibidos numerosos documentários e filmes de campanha nas redes sociais, e foram também realizadas e produzidas várias exposições, conferências e discussões sobre este tema, nas aulas e em reuniões de grupo que aconteceram por todo o país. Estes eventos vão certamente continuar ao longo das semanas e meses seguintes.

Porquê? Não será já tempo de deixar todo este drama para trás e de avançar para a frente como alguns no Ocidente parecem sugerir?

Enquanto que as pessoas da Turquia continuam os ajustes de contas com o golpe de estado e as suas consequências, muitos na Europa e nos Estados Unidos nem sempre conseguem perceber a amplitude do que se passou na Turquia naquela noite fatídica, e o que se passou a seguir dessa noite.

Não há qualquer dúvida acerca das manifestações de celebração na Turquia. Mas para os estrangeiros e para aqueles que seguem os acontecimentos na Turquia, será útil lembrar a importância destas celebrações para todos aqueles que viveram os horrores dos helicópteros e dos tanques a disparar sobre eles. Fica absolutamente claro que há uma diferença de perceção entre o que se passou naquela noite – que mudou a vida das pessoas – e a forma como o mundo exterior reagiu a este assunto em grande medida.

Algumas pessoas não conseguem compreender e reconhecer a gravidade da tentativa de golpe de estado de 15 de julho. Todos aqueles que desejam compreender as dinâmicas atuais da sociedade turca, devem prestar atenção à forma como o golpe de estado foi planeado e executado, e no final derrotado. Um certo número de estudos fiáveis foram publicados, baseados em testemunhos e em factos reais. Um relatório publicado pelo jornal diário Sabah, elaborado pelo Centro de Estudos Políticos no mês de agosto, é um bom exemplo disto mesmo.

O impacto do golpe é o que nos interessa agora analisar. Há três pontos principais a referir:

Desde logo, a nova geração que nasceu durante as décadas de 80 e 90, nunca antes tinha visto um golpe de estado. Eles aprenderam sobre a terrível história da execução do primeiro ministro Adnan Menderes, na sequência do golpe de estado em 1 960. Tinham-lhes sido contadas histórias de punições coletivas levadas a cabo por grupos políticos de esquerda e de direita, depois do golpe de estado em 1 980. Eles provavelmente compreenderam e leram sobre outros golpes de estado militares noutros países, como por exemplo no Egito. Contudo, no dia 15 de julho de 2 016, eles assistiram a um golpe de estado em ação, com carros de combate, helicópteros e aviões de caça usados contra eles próprios, contra as suas mães e os seus pais, contra os seus amigos e familiares. Viveram o choque de presenciar uma traição histórica. Viram as suas famílias e amigos cair mártires ou tornarem-se veteranos. Eles escreveram uma página da história da democracia de dimensões históricas. Não há nada de mais natural para o povo turco, do que lembrar-se dos sacrifícios feitos naquela noite.

Em segundo lugar, muitos turcos descobriram na noite de 15 de julho o lado negro da organização terrorista gulenista, a FETO. Os turcos veem agora de forma mais clara do que nunca, como a fé religiosa do povo foi manipulada pelos gulenistas, que roubavam as perguntas dos exames e se infiltraram nas instituições públicas e nos serviços de segurança, para criar um império criminoso na Turquia e no mundo inteiro.

Para aqueles que não conhecem este assunto, é difícil compreender como um grupo religioso aparentemente inofensivo, se pode tornar num estado dentro do estado, e criar um governo fantoche para manipular as leis e as regras a seu favor.

Mas à medida que mais factos vão sendo descobertos todos os dias acerca das operações clandestinas da seita gulenista, a sua imagem vai tornando-se mais clara. Aquilo que se torna evidente, é que não se trata de um inocente a trabalhar pela paz e pelo movimento pro diálogo intercultural, mas sim de um culto com o objetivo de obter o máximo de poder económico e político a todo o custo. Baseado numa submissão absoluta e cega pelos desejos e ordens de Fethullah Gulen. Este grupo é conhecido na Turquia pelo nome de FETO, e planeou e pôs em prática a tentativa de golpe de estado de 15 de julho, recorrendo aos apoios de que dispunha no seio das forças armadas, da polícia e da justiça turcas.

Ao longo dos anos, os gulenistas tornaram-se mestres na arte da dissimulação e em esconderem-se atrás de causas aparentemente legítimas. Muitas pessoas veem agora como eles usaram os media e os trabalhos da sociedade civil como uma cobertura para legitimar os seus atos criminais, contra todos os que se recusavam a aceitar as suas exigências políticas e económicas. Eles não hesitaram em colocar na prisão milhares de pessoas, bem como em lançar campanhas difamatórias. E no final, declararam guerra ao governo democraticamente eleito. Hanefi Avcı, Ruşen Cakır, Mustafa Önsel, Ahmet Şık, Nedim Şener e Dani Rodrik documentaram as atividades criminais dos gulenistas na Turquia.

O terceiro ponto tem que ver com o sentimento de deceção no seio do povo, relativamente ao tema da falta de sensibilidade e compaixão mostrada pelos países ocidentais e pelos seus meios de comunicação. O facto de nenhum chefe de estado ocidental ter visitado a Turquia após a tentativa de golpe de estado, foi uma surpresa para todos os segmentos da sociedade turca, dos mais conservadores aos mais pro ocidentais. Não foram apenas os partidários do governo mas também os partidos da oposição e os escritores liberais de esquerda, a expressar as suas reações contra o Ocidente.

Os media europeus cobriram os acontecimentos na Turquia como uma rebelião militar por parte de uma minoria. Eles usaram as medidas tomadas após a tentativa de golpe de estado, para atacar o nosso presidente e o nosso governo. Um homem de estado europeu bem conhecido, disse-me recentemente que as pessoas na Europa ignoravam o facto do parlamento turco ter sido bombardeado no dia 15 de julho. De facto, aqueles que visitaram a Turquia após o golpe de estado, nomeadamente o vice presidente americano Joe Biden e o secretário geral da NATO Jens Stoltenberg, afirmaram não ter qualquer ideia da profundidade dos acontecimentos até terem vindo à Turquia. A maior parte dos media ocidentais censuraram as imagens dramáticas relativas à noite da tentativa de golpe de estado, e preferiram em vez disso atacar o nosso presidente e o nosso governo.

Aqueles que não compreenderam a amplitude da tentativa de golpe de estado, continuaram provavelmente a não entender o porquê dos milhões de turcos quererem manter viva a memória dos mártires do 15 de julho. É uma pena, num momento em que nós precisamos de mais compreensão e não de ignorância voluntária e de oportunismo político.



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